GLAUCOMATOPÉIA [#37]
[1] Fiz vários sonetos para exorcizar a humilhação de estar cego em meio aos que enxergam e por eles ser abusado. Um dos mais crus e cruéis foi este:
SONETO 653 APRENDIZADO [a Alexandre Rosa Lenz][2] Com esse espírito masoquista tomei o seguinte mote, convencionalmente glosado por Antônio de Oliveira Souto à maneira nordestina:O cego é comandado na primeira
sessão de felação que experimenta.
O mestre, calmo e cômodo, se senta.
Se agacha o cego em frente da cadeira.De início, identifica: lambe e cheira
o saco. Pêlos prova. A língua, lenta,
a pele do prepúcio acha nojenta
mas lava aquele bico de chaleira.Já semi-arregaçada, a glande exige
total titilação, tato total,
alheia à humilhação que ao cego inflige.O lábio ao pau se amolda e, no final,
que boca adentro o mestre até lhe mije
o cego, acostumado, acha normal.
DEBAIXO DO TEU UMBIGO[3] Minha versão da glosa ficou bem adequada ao espírito penitente atribuído ao personagem cego:
TEM A FLOR QUE EU BEIJARIA.Faço segredo e não digo
Pra ninguém, se tu deixares
Pôr um dia os meus olhares
Debaixo do teu umbigo.
Sabes que sou bom amigo,
A ti jamais trairia,
Pois a ninguém pediria
Com tanta insistência assim,
Sendo o teu corpo um jardim:
Tem a flor que eu beijaria.
Quando me pões de castigo
Ajoelhado no milho,
Estico a língua e me humilho
Debaixo do teu umbigo!
Sendo cego, não consigo
Reconhecer quem me arria;
A voz, que relembro, ria;
Seu pau cheirava a chamego;
Bem no meio do seu rego
Tem a flor que eu beijaria! [8.69]