GLAUCOMATOPÉIA [#40]
[1] A coprofagia, como a antropofagia, parece algo tão repugnante à natureza humana que só seria praticada em circunstâncias extremas e excepcionais, como na guerra ou em rituais tribais e mágicos, tipo satanismo. Ocorre que, tal como o canibalismo em culturas "primitivas", a coprofagia é mais rotineira do que se supõe, e nada tem de voluntário, ao contrário da coprofilia entre alguns sadomasoquistas: trata-se duma prática forçada e corriqueira em países subdesenvolvidos, como já apontei no ciclo de sonetos "Coprofagonia", onde narro situações de tortura em que a merda é ingerida na marra pelos castigados. Além desses costumes bárbaros "institucionalizados", registrei outra situação comum, ainda que encoberta pela conveniência da mídia envergonhada: a freqüência com que os bandidos obrigam suas vítimas a comer cocô e beber xixi. Dois fatos ilustram esse tipo de ocorrência: num deles, um desembargador teve a casa invadida por um bando de "manos"que, para intimidá-lo e dissuadi-lo das medidas que tomaria contra o crime organizado, obrigaram-no a se ajoelhar e lhe urinaram na boca. A explicação dada pelo repórter policial que cobriu o caso foi que os malacos recebem do pai-de-santo, no terreiro, a recomendação para mijar na vítima a fim de não serem denunciados nem punidos por seus crimes. O outro fato emblemático, também verificado em São Paulo, refere-se a uma gangue que assaltava residências e mantinha famílias inteiras como reféns durante horas, quando um dos bandidos, fugitivo de "alta periculosidade", tinha o hábito de "defecar no chão e convidar os reféns a se servirem", segundo as palavras do delegado que atendeu a imprensa. Com base nos dois incidentes fiz os sonetos abaixo.
SONETO 659 COMPARADO [a Hélio Bicudo][2] Se Câmara Cascudo já registrou o costume de obrigar um inimigo a beber mijo como forma de vingança, no Nordeste a barra pesa quando se trata de defender a honra ultrajada ou de desmoralizar o adversário. Por isso se explica que a merda esteja presente em tantos motes que colocam em xeque a dignidade do desafiado. Este é particularmente interessante porque põe na primeira pessoa a atitude ofensiva e a responsabilidade de livrar-se do vexame. Eis como se saiu da empreitada o paraibano José de Souza:Juiz ajoelhou pra ser mijado.
De fato aconteceu, e pelo rádio
informam que uma gangue "persuade-o"
a tanto após em casa ter-lhe entrado.Ocorre que o severo magistrado
da Lei sempre empunhara firme o gládio.
A fim de que a mijada mais degrade-o,
na cara e boca adentro foi regado.Vexado, o locutor diz que tal "banho"
foi regra da macumba: o pai-de-santo
garante a impunidade disso o ganho.Que em mim mije um marmanjo não me espanto,
pois, cego, até de impúbere eu apanho.
"Serei juiz?" é o ponto que levanto.
SONETO 589 AMENIZADO
As fezes são fedidas de per si,
mas tanto mais nojentas quanto obradas
sem pejo, por pessoas descaradas,
cruéis ou criminosas, por aí.Um caso, na TV, do tipo vi:
as vítimas de assalto são forçadas,
das casas invadidas nas privadas,
àquilo a que o ladrão assiste e ri.Toletes inteirinhos deglutidos
no chão, recém-cagados e inda quentes,
sob ordens e esculacho dos bandidos!Na mídia, um eufemismo: os delinqüentes
defecam e os reféns são "constrangidos"
daquilo a "se servir"... "inapetentes"...
CAGUEI UM NEGÓCIO ALI[3] Quanto a mim, que já passei por situações embaraçosas do tipo e nem sempre de acordo com minha vontade, assim interpretei o mote:
QUE EU NUNCA COMI NA VIDA!Não pensei no que comi,
Danou-se, deu a bexiga,
Me deu um nó na barriga --
Caguei um negócio ali.
Aí, perguntaram aqui:
Qual terá sido a comida?
Eu que estava sem saída
Tive que dar a resposta:
O que ali caguei foi bosta,
Que eu nunca comi na vida.
Fico de quatro. Ele ri.
Como cachorro me doma:
"No chão, ceguinho! Ande, coma!
Caguei um negócio ali!"
Abocanhei e engoli
A merda quente e fedida!
Esse é o tipo de comida
Que um vencido merecia,
E não néctar e ambrosia,
Que eu nunca comi na vida! [8.74]