GLAUCOMATOPÉIA [#42]
[1] Se o motivo mais forte na voz poética dum glosador pode ser a mulher ou ele próprio recapitulando suas proezas com as mulheres, a motivação maior do mesmo glosador não é sua musa nem seu passado de menino esperto, mas sim a esperteza em si mesma, ou seja, o saldo positivo que o poeta resgata de seu ofício. Por outras palavras, o que gratifica o glosador não é o objeto da gabolice, mas a própria gabolice, que, quanto mais exagerada, mais vantagem carreia ao autor das façanhas, como nas histórias de pescador. A propósito dessa elementar fanfarronice que caracteriza o menestrel pretensamente popular fiz o seguinte soneto:
SONETO 385 ATIVO[2] O prepotente descaramento, que se confunde com a masculinidade alardeada aos quatro ventos, tem dado ensejo a motes implacáveis, como este, indefectivelmente glosado pelo potiguar Luiz Xavier:Eu faço! Eu aconteço! Eu bordo e pinto!
Eu sou o tal! Comigo ninguém pode!
Qual cabra brabo o quê! Sou mais é bode!
Não vejo macho aqui neste recinto!Alguém quer disputar comigo o cinto?
Sou campeão no ringue e no pagode!
O besta que encarar, samba e se fode!
Arranco a língua a quem disser que minto!Já fiz muito valente obrar nas calças!
Já vi dos desafetos a caveira!
Versões de que fui píssico eram falsas!Posso falar de glória a noite inteira!
E tu? Não tens, não vens, não vais, não valsas!
Sou cego! Arroto a prosa que bem queira!
TENDO PERNA E TENDO COURO,[3] Claro que, fiel à proposta "xibunguista" que me impus, não posso assumir o papel do gabola, daí a glosa com que reinterpretei aquele mote colocando-me no lugar da presa e pondo as palavras bazofiadoras na boca de quem me captura:
SÓ RESPEITO TAMBORETE!Boto assando como touro
Que não tem pena da vaca,
Como burra, como paca,
Tendo perna e tendo couro.
Pode ter cara de choro,
Ser doente pra cacete,
Mas se gostar do macete,
Cega ou doida, tudo eu furo,
Pois eu estando de pau duro
Só respeito tamborete!
Mais forte e machão que um touro
É o frangote malfazejo
Perto de mim, que não vejo!
Tendo perna e tendo couro,
Me pisa e a bota lhe douro
Com a língua! E ele repete:
"De cego exijo boquete,
Monto em cima, apóio o pé!
Entre um cego e quem não é,
Só respeito tamborete! [8.77]