EPHEMERDAS, por GLAUCO MATTOSO
GLAUCO MATTOSO é poeta, auctor de mais de cinco mil sonnettos. Actualmente não compõe mais nesse molde, mas ainda practica outras estrophações.
Para informações sobre a orthographia que adopta, suggere-se accessar:
http://correctororthographico.blogspot.com.br
OUTUBRO/2014
O JAZIGO AO DESABRIGO E O MAUSOLÉU AO LÉU
Quasi cahi no obvio quando, entre os eventos de outubro, achei o dia mundial da visão. Claro que eu ja tenho poema prompto sobre o thema, mas, como attravesso mais uma crise pulmonar e a cegueira completa vinte annos em breve, deixo a visão para o anno que vem e me detenho no medo mais immediato da morte, suscitado por tanta tosse e tanta febre. Dahi que vem a calhar a allusão funeraria que agora abbordo.
No mez passado fiquei devendo o poema de Jorge de Sena que parodiei no sonnetto abbaixo e aqui resgato a pendencia. Depois commento.
SONNETTO PARA OS RESTOS DE JORGE DE SENA [3083]
No tumulo em que Sena está sepulto
quer elle que o moleque toque bronha,
que o namorado de castigo ponha
a moça, alli estuprada sem indulto.
Que o puto chucro e que o malandro estulto
alli forniquem sem siquer vergonha.
Que alli se beba e fume até maconha.
Que o satanista faça alli seu culto.
Mais pede Sena aos vivos: que a creança
vadia nessa pedra deite o mijo,
zombando de quem nunca alli descansa.
Com elle estou de accordo! Eu proprio exijo
na lapide que deixem, de lembrança
gravando, a sola suja e o phallo rijo!
O DESEJADO TUMULO [Jorge de Sena]
Numa azinhaga escura de arrabalde
haveis de sepultar-me. Que o meu tumulo
seja o logar excuso para encontros.
Que o joven desesperado e solitario
vagueando venha masturbar-se alli;
que o namorado sem um quarto aonde
leve ao castigo a namorada, a traga
e a force e a viole sobre a minha tumba;
que o invertido venha adjoelhar-se
à beira della ante quem esperma vende,
ou deite abbaixo as calças e se entregue,
as mãos buscando appoio nessa pedra.
Que bandos de malandros alli tragam
a rapariga que raptaram, e
a deixem la extendida a excorrer sangue.
Que as prostitutas reles, piolhosas,
na lage pinguem corrimentos quando
a pobres velhos se venderem la.
E que as creanças que brincando venham
jogar à minha volta, sem pisar nos canthos
a trampa mais cheirosa do que a morte
e que à memoria humana de azinhagas,
alli descubram, mal adivinhando,
as nodoas seccas do que foi violencia,
ou foi desejo ou o que se chama vicio
e as lavem rindo com seu mijo quente
a rechinar na pedra que me cobre
(e regressem um dia a repetil-as).
Bem, a primeira reflexão suscitada por esses epitaphios poeticos é a de que são todos menos desejados que ensejados e menos terminaes que terminologicos. No intimo ninguem quer antever a propria lapide. Ja escutei o fallecido Ariano Suassuna dizendo que a unica forma de vencer a morte é a arte e que o homem não nasceu para morrer e sim para a immortalidade, pois a obra sobrevive ao auctor. Porem, como dizia Nelson Cavaquinho, "Mas, depois que o tempo passar, sei que ninguem vae se lembrar que eu fui embora. Por isso é que eu penso assim: si alguem quizer fazer por mim, que faça agora."
Tenho pensado nisso emquanto, entre uma crise e outra de bronchite, me tracto duma prostatite e, surprehendido por alta dosagem de assucar na urina e no sangue, sou diagnosticado como diabetico e forçado a uma rigorosa dieta accompanhada de perpetuos medicamentos. Nada consolador para quem ja perdeu a visão, hem? E que dizer do dialogo mais recente entre mim e meu medico? Vejam só:
– Seu Pedro, o ultimo exame confirma alguma queda nos numeros, mas elles ainda estão bem accyma do normal... Vamos ver no proximo si a queda se mantem.
– Doutor, tomara mesmo que o tractamento esteja dando resultado, porque todo esse sacrificio tem que valer a pena, né?
– Bem, si o senhor continuar se cuidando tem boa perspectiva na qualidade de vida. Sua edade é 64, não?
– Meia trez. Quantas decadas ainda o senhor me daria?
– Uma, na melhor das hypotheses. Ja não está bom para o senhor? Leve na esportiva, seu Pedro, ha, ha, ha!
-– Só uma? Mas por que, doutor?
– Essa é a exspectativa de vida do brazileiro hoje. Isso si o senhor estiver medicado e responder ao tractamento.
– Puxa! Então sejamos optimistas, né?
– Claro, seu Pedro! Pensamento positivo! É só não relaxar na dieta nem se esquecer dos remedios, e o senhor tem grande chance de...
– De comer bollo no proximo anniversario?
– Ha, ha, ha! Boa piada, seu Pedro!
– De voltar a comer pizza?
– Magina! Chance de não ter que amputar o pé! Pizza, nem pensar! Pizza e diabetes não cabem na mesma phrase!
– Claro, claro, doutor! Nada como uma boa noticia dessas! Quem sabe daqui a dez mezes eu possa ter dez kilos a menos e dez annos a mais, né?
– Isso, seu Pedro! De grão em grão, integral se come o pão, como diria minha collega nutricionista, ha, ha, ha! Passar bem, seu Pedro!
Minha nossa, penso eu. Ainda tenho que ouvir isso... Dos males, o menor. Antes depender da metformina que da morphina, oh, triste signa que me azucrina... Mas isto eu não disse ao medico, para evitar maiores gargalhadas.
Colunas anteriores:
01