JOSÉ NÊUMANNE PINTO |
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. E conheça o também a poesia do colunista no site: http://neumanne.com
Coluna de 24/2/2015
(Palestra de José Nêumanne Pinto no sarau de um ano do Por do sol Literário do grupo Sol das Letras nos jardins da Academia Paraibana de Letras, em João Pessoa, quinta-feira 11 de dezembro de 2014)
1 – O primeiro mandamento é recusar a mediocridade, pois para escrever bem é preciso ter tolerância zero para o erro.
Para escrever bem, é preciso ler o máximo possível. Mas, de preferência, só ler coisas boas. O primeiro duro desafio para o autor iniciante é separar o joio do trigo. Certa vez, em Buenos Aires, o genial ficcionista portenho Jorge Luis Borges me disse que a imprensa é uma desgraça da humanidade, pois bom era o tempo dos papiros, pergaminhos e dos palimpsestos, quando reproduzir um texto dava muito trabalho, não era mecânico, como passou a ser por causa do prelo. Um dos escritores favoritos de Borges, o britânico Chesterton, escrevia muito para jornais, mas dizia que quando desejava saber do que se passava na humanidade lia a Bíblia. Os grandes escritores acabam por adquirir autonomia em meio à profusão de publicações que a indústria editorial oferece. Cada dia fica mais fácil reproduzir escritos e cada dia mais proliferam textos ruins que os autores praticamente impõem aos leitores. Qual terá sido o efeito disso na profusão de livros em oferta pela indústria editorial e na queda de qualidade? O grande poeta paraense Ruy Barata dizia nos “botecos literários” em Belém: “Uma livraria tem um poder enorme; para o bem ou para o mal. Sua vida inteira pode depender da escolha que, dentro dela, você venha a fazer” .
Ou seja, o autor iniciante precisa ser vacinado contra a pior das pragas literárias, a contaminação da mediocridade. A mediocridade é ostensiva, exibicionista e tirânica. O medíocre não se contenta em sê-lo. Ele quer ter cúmplices. Danou-se: senti-me incorporando Nelson Rodrigues ao lhes dizer isso Mas voltemos ao rés do chão. Eu tenho fama de ser malvado e até grosseiro, mas até hoje nunca tive coragem de rejeitar de cara um livro ruim que me oferecem. Tenho dificuldade até para não por na estante a má obra, capaz de contaminar as melhores na minha estante. No avião, vindo para cá, prometi a Isabel que vou jogar fora todos os livros medíocres de minha estante. Vai ser uma limpeza e tanto. Neste particular, há o que chamo de ponto de corte, como se estivesse corrigindo uma prova de vestibular. É o erro gramatical. Já recebi livro com erro gramatical no título, na capa. Vou continuar recebendo, mas não guardarei mais. Um escritor que comete erro gramatical é como se fosse um mecânico que não sabe como funciona o motor nem para que serve o combustível. Para a mediocridade, a tolerância tem que ser zero.
2 – O segundo mandamento é vencer a maldição da fuga do profeta.
Um de meus textos favoritos é o Sermão da Sexagésima , do padre Antônio Vieira. Nele o grande pregador diz que há dois tipos de sacerdotes, os párocos e os missionários. É uma lição de vida. Ao contrário do que reza o ditado, o profeta pode, sim, ser ouvido em sua terra. Marcia Lígia, da Miró Editorial, me pediu para lhes contar que o bom escritor não precisa sair de sua cidade para publicar. Concordo com ela. Marisa Lajolo (pesquisadora, assessora do prêmio Jabuti e autora de Do mundo da leitura para a leitura do mundo) e a vida lhe dão razão: Waldemar Solha mora em João Pessoa (Relato de Prócula, editado originalmente na Girafa, uma editora de que já fui sócio, é um exemplo). O poeta amazonense Aníbal Beça nunca saiu de Manaus, é pouco conhecido no resto do Brasil, mas famosíssimo no Caribe. Assim também ficaram em Belém os magníficos poetas João Jesus de Paes Loureiro, Pedro Galvão e Ruy Barata, que ciceroneou uma visita de Elizabeth Bishop à Amazônia e isso está registrado nas cartas dela. Socorro Acioly, 39 anos, nascida em Fortaleza, que estreou com O pipoqueiro João, publicado pela editora Nação Cariry, quando ela tinha 8 anos, não precisou sair de Fortaleza para ganhar com seu livro Ela tem olhos de céu , o prêmio Jabuti de Literatura infantil de 2013. Outro exemplo em Fortaleza é o da editora Tupynankin (do cordelista Klevisson Viana). Moram em Recife médico cearense Ronaldo Correia de Brito (autor de Galiléia, prêmio São Paulo de literatura, editado pela Cosac & Naif, a mais chique editora brasileira), o historiador Frederico Pernambucano de Melo (que escreveu Guerreiros do sol) e a psicanalista Maria Cristina Cavalcanti de Albuquerque (autora de Luz do Abismo), ambos editados por mim na Girafa. Everardo Norões, que nasceu no Crato e viveu na França, Argélia e Moçambique, agora foi publicado pela Confraria do Vento, de Karla Melo, em Recife e venceu o prêmio Jabuti de Conto e crônica, superando Antônio Prata e outros cronistas de grandes jornais. O poeta Mário Quintana nunca saiu do Rio Grande do Sul nem o folclorista Câmara Cascudo do Rio Grande do Norte. Dalton Trevisan ganhou fama internacional morando em Curitiba. O poeta Manoel de Barros morreu há pouco tendo vivido a vida inteira em seu Mato Grosso natal. Muita gente na província tende a encarar o avião para Sudeste como o caminho da salvação. Este é “um ledo e ivo engano”, como diziam antigamente os gozadores bem informados.
3 – O terceiro mandamento é não se desesperar com as tentativas malogradas de convencer um editor de sua genialidade.
Chegamos agora ao desafio da estréia. Primeiramente, não se apresse, pois não há limite de idade. Ana Luisa Escorel, paulistana, 70 anos, filha da professora Gilda e de Antônio Cândido de Melo e Souza, o mais venerado critíco literário brasileiro venceu o Prêmio São Paulo, o de maior valor monetário, com o romance Anel de vidro, ouro sobre azul, ao lado de Verônica Stigger, gaúcha, de 41 anos, estreante, com Opisanie swiata (Cosac & Naif). Vânder Soares, que dirigiu a Saraiva, me pediu que contasse a vocês que há dois meios de editar um livro no Brasil hoje: a autopublicação e a maratona da aprovação por uma editora estabelecida, não necessariamente no Sudeste ou no Sul. A primeira pode ocorrer de duas maneiras: assumir a missão de imprimir e vender ou pagar para um profissional fazer isso. Há profissionais que por dinheiro fazem qualquer coisa. Outros, não. Exigem qualidade. Lembro-me de um jantar com meu saudoso amigo Luiz Augusto Crispim no qual ele me contou que, sendo um autor bem vendido na área jurídica na Saraiva, teria de financiar a própria edição de livro de poesia ou ficção desde que, primeiro, passasse pelo crivo de qualidade do grupo editorial. Ele tinha que apresentar um bom livro e pagar por sua edição. Este foi o caso famoso do editor Massao Ohno, que pontificou em São Paulo nos anos 60 e 70. Mas há também editores que, tendo a edição paga, editam qualquer coisa.
A maratona é dura e exige paciência. Mande o texto para um editor e saiba que só terá noção do destino dele se aquele editor resolver publicá-lo. Receber o texto de volta, nem pensar. Custa caro. E muito editor nem lê. Joga no lixo. Não perca a esperança. Faça cópias e mande para outros. Se não conseguir furar o bloqueio, que não é fácil, pode optar também pela nova opção do livro editado por internet. Muita gente apela para isso com sucesso. Não há mais editores como José Olympio, que publicou tudo o que os grandes autores brasileiros, que frequentavam sua livraria no centro do Rio, escreviam. Nem como Enio Silveira, que se tornou um ícone da resistência de esquerda à ditadura militar na Civilização Brasileira, cujos livros eu lia sofregamente à época de minha adolescência em Campina Grande, comprando-os na Livraria Pedrosa. Aliás, não há mais Livraria Pedrosa. Nem a Livraria Teixeira na rua Marconi, que eu costumava frequentar nos anos 70 ao lado do poeta Ronaldo Cunha Lima, que trabalhava no Banco Industrial de Campina Grande, no mesmo quarteirão. Agora as livrarias são shopping centers que vendem de tudo, também às vezes livros. Sou rato de livraria desde a infância e agora me acostumo a um novo hábito: mesmo diante de estantes cheias, nunca encontro o livro que quero, como encontrava antes. Agora tem de encomendar. A livraria, salvo raras exceções, só vende o que lhe é pedido. Nem assim, tem conta firme e o livro é faturado. Quando fui editor na Girafa, começou o hábito da consignação. Agora sem consignação não há salvação. O editor só conseguirá entregar o livro se o receber de volta se não vender. E mesmo que venda muito, ele não fatura a reposição, mas põe em consignação. É o novo jeito de fazer negócio.
Ainda segundo Vânder Soares, que dá consultoria a grandes editores, há duas novidades mais hoje em dia. A primeira é a globalização. Cada vez mais mandam no mercado editorial brasileiro as multinacionais, principalmente européias, mas também americanas. A globalização também tem mão inversa. O editor brasileiro também raciocina em relação ao mercado externo. O editor, de um modo geral, ainda sonha com a publicação de um autor que lhe reserve um lugar na história da literatura. Mas isso é cada vez mais raro. O livro é cada vez mais um negócio globalizado. Por isso, não se usa mais a palavra “originais”. Hoje a moda é projeto. Você apresenta um projeto, o editor faz o cálculo se pode ser lucrativo, ou pelo menos paga as despesas. E aí pode decidir a seu favor. Feiras de livro como a de Frankfurt, na Alemanha, são vitrines poderosas neste novo negócio globalizado.
A figura do editor, que acompanha o autor, aconselha, de certa forma e influi, até corrige textos, como fazem Pedro Paulo de Sena Madureira, que está fora do mercado no momento, e seu discípulo José Mário Pereira, da Topbooks, que editou meu último livro, O que sei de Lula, é cada vez mais rara. Hoje predomina o publisher, o homem que faz negócio com o livro. Uma coisa, contudo, não mudou: o assessor, como Vânder, ainda aponta, indica, influi. Este é capaz de ler as primeiras cinco páginas, quando muito, de um “projeto” e saber se vale a pena continuar ou não. Ou seja, mesmo nesta época da cultura de massa, da globalização das grandes editoras (espanholas, italianas, inglesas, americanas, etc. o livro ainda tem a importância que tinha no passado, a despeito da mudança de rota.
Meu editor e amigo José Mário Pereira, que é sócio da mulher, Cristine Ajuz, que trabalhou comigo no Jornal do Brasil, é otimista em relação à sobrevivência do livro como suporte de conteúdo. Ele me mandou uma mensagem respondendo a algumas perguntas e a respeito do tema, me escreveu: “Mesmo diante dos vaticínios tempestuoso de alguns, que dizem que o livro no seu formato tradicional vai acabar, nunca se imprimiu tanto. Mesmo os que se valem de instrumentos eletrônicos para terem acesso a certos livros, acabam por comprar também o livro em papel. Há estatísticas que comprovam esse fato. Mesmo como a facilidade de se obter informação pela televisão, pelo computador, o livro ainda continua a ser o meio mais eficaz de apreensão e fixação do conhecimento. As grandes bibliotecas do mundo todo continuam a comprar livros, embora estejam preocupadas também em digitalizar o seu acervo. Os Estados Unidos, por exemplo, compram tudo que se publica no Brasil. As bibliotecas americanas disponibilizam para o pesquisador livros brasileiros raros, que aqui se demora a localizar em nossas melhores bibliotecas. Wilson Martins costumava dizer que só escreveu a História da inteligência brasileira porque fez isso nos Estados Unidos, onde havia facilidade de pesquisa, e o sistema de empréstimo entre bibliotecas realmente funcionava.
Zé Mário tem razão. O Sindicato Nacional dos Editores, a Câmara Brasileira do Livro, costumam encomendar pesquisas sérias sobre o desempenho e a expansão do nosso mercado livreiro, e ao que tudo indica a indústria editorial brasileira passa por um período de grande vitalidade. São muitas as feiras de livros que acontecem pelo país, a começar pela Bienal do Livro, e, ao que se sabe, o resultado final tem deixado contente o mercado. Essas feiras também ajudam a democratizar o livro junto às classes menos favorecidas, pois nelas muitos livros são vendidos com descontos que estimulam a compra.
De acordo com a pesquisa bastante confiável da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores e Livreiros (Snel), conforme me informou Cristina Lima, da Câmara, em 2013 foram vendidos no Brasil 279 milhões e 660 mil exemplares de livros - 4,13% mais do que os 278 milhões e 560 mil vendidos em 2012. Deste total o governo comprou 200 milhões e 300 mil em 2013, um número bem maior do que os 166 milhões e 350 mil vendidos em 2012. O faturamento total - considerando vendas ao governo, em livrarias ou por outros métodos - foi de R$ 5 bilhões e 350 mil em 2013, um aumento real de 1,52% em relação ao apurado em 2012, considerando-se o IPVA de 5,91%. E o preço real de capa aumentou 1,7% de 2013 para 2012.
Convenhamos que não é um mau resultado, mesmo se se considerar que o crescimento não foi alentador, pois mostra o declínio de obras de qualidades e o constante aumento da produção de livros religiosos, autoajuda e didáticos. Neste último o crescimento, mesmo tímido, se dá quase aos programas de compra e distribuição de livros do governo federal, que é o maior comprador de livros do País, só perdendo neste particular no mundo para o México.
4 – O quarto mandamento é perseverar, pois ainda é possível um autor desconhecido publicar seu livro.
Antes de abordar este quarto mandamento, vou lhes contar três histórias clássicas de descobertas de autores que se consagraram
O poeta e banqueiro Augusto Frederico Schmidt descobriu Graciliano Ramos lendo no Diário Oficial a prestação de contas do prefeito de Palmeira dos Índios, Graciliano Ramos. O poeta achou o texto bem escrito, e tratou de escrever ao prefeito alagoano para dizer que se tivesse algum romance na gaveta enviasse para ele ler. Foi aí que resolveu editar Caetés, livro de estréia de mestre Graça.
Nos anos 50, o jornalista alagoano Audálio Dantas fazia uma reportagem para a Folha de S. Paulo na favela do Canindé em São Paulo quando conheceu Maria Carolina de Jesus, que lhe mostrou anotações em papéis amarfanhados. Foram o ponto de partida para Quarto de despejo, um dos livros de maior sucesso no Brasil em todos os tempos.
Adélia Prado mandou sua obra poética para Carlos Drummond de Andrade. O poeta a leu, ficou fascinado, chamou seu amigo e exegeta Affonso Romano de Sant'Anna e os dois procuraram Pedro Paulo de Sena Madureira, editor à época da badaladíssima Nova Fronteira, de Carlos Lacerda. O livro foi publicado com texto introdutório da ensaísta Margarida Salomão. A noite de autógrafos foi uma das mais concorridas da época. Até Juscelino Kubitschek compareceu. Adélia ainda faz tanto sucesso que um dia destes eu participei de um público entusiasmado que a ouviu e aplaudiu no enorme teatro do TUCA em São Paulo. Negando a teoria de que o profeta tem de sair de sua terra para ser ouvido, até hoje mora em Divinópolis, embora saia de lá para ser ouvida e aplaudida no mundo inteiro.
Raimundo Gadelha acha impossível que estas histórias se repitam. Segundo ele, somente se houvesse uma “trama mirabolante” de uma instituição com poder para tal e de olho nos desdobramentos (financeiros, principalmente) de que, a médio e longo prazos, poderia se beneficiar.
Márcia Lígia Guidini, da Miró, que acaba de editar o romance de Helder Moura, discorda dele: “Creio que sim, embora seja mais difícil encontrar um padrinho, porque há escritores demais”, disse-me ela.
5 – O quinto mandamento reza que o autor iniciante precisa estar atento para aproveitar as oportunidades que aparecem.
Este foi o meu caso. Sempre fiz sucesso como jornalista, mas tudo o que eu queria era ser reconhecido como literato. Embora nunca tenha misturar uma coisa com outra, até porque estas coisas não se misturam, nunca tive vergonha de usar o poder conquistado no jornal para abrir espaço no universo das letras.
Aos 30 e poucos anos, eu era secretário de redação do poderoso Jornal do Brasil no Rio e procurei Pedro Paulo de Sena Madureira, em pleno vapor na Nova Fronteira, para editar um livro de poesia, Os solos do silêncio , prefaciado pelo afamado poeta, crítico e tradutor José Paulo Paes. Pedro aprovou o livro, mas saiu da Nova Fronteira tendo brigado com Sérgio Lacerda, filho do ex-governador e herdeiro da editora. Sérgio escreveu para meu patrão, Nascimento Brito, insinuando que eu teria um caso homossexual com seu ex-editor. No fim, para evitar confusão, publiquei o livro pela Secretaria de Cultura da Paraíba no governo Milton Cabral. O secretário era Lula Crispim. E o governador, ao receber o exemplar autografado das mãos de meu pai, balançou-o no ar como se fosse um bezerro para pesar e reclamou que era fino demais para ter algum valor. Meu primeiro grande sucesso foi a cobertura que fiz como editor de política do Estadão da campanha presidencial de 1989 e foi editado por Pedro Paulo na Siciliano. Atrás do Palanque fez sucesso: ficou seis meses na lista de dez mais da Veja . Isso e mais o prêmio Senador José Ermírio de Moraes da Academia Brasileira de Letras, o romance O silêncio do delator , ganhou em 2005 como o melhor livro de 2004 me garantiram recepção razoável de editores para meus livros, perfazendo hoje um total de uma dúzia.
Nem tudo o que aconteceu comigo acontecerá automaticamente com qualquer outro iniciante. Mas meu exemplo serve para mostrar que um bom trabalho no jornalismo ou em publicidade pode favorecer o escritor a realizar seu sonho de escrever o primeiro livro.
Zé Mário me pediu que lhes contasse, contudo, que hoje muitos autores são descobertos devido a publicações esparsas na imprensa, na internet, na televisão. Fernanda Torres, por exemplo, cujo romance de estréia vendeu mais de cem mil exemplares e agora está sendo lançado em várias línguas. Gregório Duvivier, que virou bestseller, Daniel Galera, autor de grande fortuna crítica, e outros de que se fala muito agora foram descobertos via presença na mídia, e não porque procuraram, como se fazia tradicionalmente, uma editora ou um editor.
6 – Nem tudo está perdido para quem tem fé, talento e força de vontade – este é o sexto mandamento.
Para autores nunca antes publicados episódios similares ao da corrente que revelou Adélia Prado – Drummond, Affonso, Pedro Paulo – são cada vez menos prováveis. Mas não impossíveis. Zé Mário garante que as editoras recebem e avaliam muitos originais que agora também são encaminhados via internet de todo o Brasil e às vezes até de fora do País. O acesso ao mercado editorial se democratizou. É bom lembrar que muitos autores estão colocando seus textos na internet, às vezes livros inteiros. E nesse processo se tornam conhecidos, despertando o interesse das editoras quando se trata de obra de valor literário indiscutível.
Sim, é possível e até não é tão difícil assim. O grande problema, segundo Raimundo Gadelha, da Escrituras, é o que fazer com isso, se somos um país que, além de ler muito pouco, tem uma população que, via de regra, cresceu “aprendendo a ler mal”.
Além do mais, ainda conforme Gadelha, tornou-se quase insolúvel a questão da distribuição do livro no Brasil e no mundo. E ela se tem agravado depois de o livro ter passado a receber o mesmo tratamento dado à chamada fast food . Esgota-se, cada vez mais, a possibilidade de grandes e perenes obras. Em seu lugar ganha força a “leitura de rápido consumo” e, para os empresários das redes de livrarias, menos importa a qualidade do que um giro rápido pelos caixas.
Mas a boa literatura também tem seu lugar no mercado. Qualidade também ajuda a vender, embora não seja suficiente isoladamente.
7 – O sétimo mandamento é mandar textos para os inúmeros concursos literários existentes no País. Há que se informar sobre eles e se inscrever em todos quantos for possível fazê-lo.
Tais concursos hoje em dia podem ser uma boa fonte de renda (há prêmios bem suculentos, como o São Paulo de Literatura) para quem os vença. Além disso, eles servem realmente de peneira para que autores desconhecidos e de talento sejam publicados e, depois, façam sucesso. Ser desconhecido, vencer um concurso e ser publicado é, sem dúvida, um primeiro passo e representa uma conquista da maior importância. Mas voltamos ao velho problema da distribuição... Tirando o orgulho e a satisfação pessoal do autor, de que vale a editora publicar se a grande maioria das livrarias não aceita, mesmo em consignação, os livros. Outra via é participar das feiras literárias. Sem elas a situação, certamente, estaria ainda pior, embora sejam cada vez mais para o turismo do que para a literatura. Elas ajudam o escritor iniciante, porque dentro delas, ou na periferia delas, sempre se encontra espaço para divulgação do que está se produzindo de bom. Feiras no interior do país, por exemplo, ajudam a aproximar os bons escritores dos bons leitores, e desse diálogo acaba se sabendo o que se produz de bom localmente.
8 – O oitavo mandamento é não se envergonhar de não conseguir viver de direitos autorais. Conseguir isso é mais raro do que publicar um livro e até mesmo fazer sucesso com ele.
A profissionalização é um desafio enorme para o estreante. No Brasil durante muitos anos Jorge Amado era o único escritor que podia viver confortavelmente de seu ofício. Hoje a situação mudou um pouco. Há Paulo Coelho, conhecido internacionalmente. Tive a oportunidade de testemunhar filas dobrando o quarteirão para conseguir autógrafos dele em Paris. Fui muito amigo de Marcos Rey, que conseguiu isso. Dia destes Isabel e eu nos encontramos com a viúva dele, Palma Donato, num café de shopping e ela não estava insatisfeita com a renda produzida pelos livros do autor de O enterro da cafetina e O último mamífero do Martinelli. Lembro-me ainda de Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Antônio Torres, Ruy Castro e Fernando Moraes que vivem de escrever. Restrinjo a lista aos literatos, porque sabemos que os autores de livros religiosos, didáticos e de auto-ajuda vendem o suficiente para viver bem. Além de autores de livros polêmicos em nosso conturbado ambiente político- caso de Assassinato de reputações, do delegado Romeu Tuma Jr, meu amigo.
Mas o escritor estreante não deveria, a meu ver, sonhar tanto com isso. A profissionalização é a loteria dos que já ganharam outra loteria. Nossa tradição não privilegia o escritor profissional. Temos grandes amadores de que nos orgulhar. Machado de Assis era funcionário público, como Drummond, e Joaquim Nabuco, diplomata, como João Cabral de Mello Neto, e político, como José Américo de Almeida, o melhor texto da Paraíba. Por falar em paraibano, Augusto dos Anjos, meu patrono nesta casa, foi mestre-escola no interior de Minas, tendo sido, portanto, colega de ofício de Isabel, minha mulher. José Lins do Rego era promotor. João Guimarães Rosa, médico e diplomata. Ariano Suassuna era professor universitário. E por aí afora. Um grande escritor não terá de ser forçosamente um profissional. Os exemplos de amadores geniais mostram isso.
9 – O nono mandamento é nada esperar da crítica literária publicada nos meios de comunicação.
Não poderia terminar estas palavras para abrir nosso papo sem lamentar a extinção da crítica literária nos meios de comunicação - e particularmente na imprensa, na qual milito. Antigamente todos os bons jornais tinham o seu crítico literário de plantão e o seu suplemento literário. Álvaro Lins, Antonio Candido, Agripino Grieco, Afonso Arinos de Melo Franco, Augusto Frederico Schmidt, José Guilherme Merquior, todos escreveram muito em jornal. Este último, por exemplo, estreou no famoso Suplemento dominical do Jornal do Brasil . A época Dos grandes suplementos foi gloriosa para a nossa literatura. Havia também revistas como a Senhor , onde também escreveu Merquior, além de Ferreira Gullar, Paulo Francis e Ruy Castro. Hoje temos o Rascunho e a Piaui, mas os grandes jornais reduziram muito o espaço para livros. Adotou-se há muito a resenha, quase sempre mais informativa que analítica. Este, infelizmente, é um fenômeno quase internacional, apesar da perenidade de jornais culturais do nível do New York Review of Books , nos Estados Unidos, onde escreveu Edmund Wilson, e os ingleses London Review of Books e Times Literary Supplement .
Hoje nos limitamos à crítica acadêmica. E nem sempre ela tem sido de boa ajuda, embora ainda seja o último baluarte, ou balaústre, como diria meu amigo Bob Coutinho, dono do restaurante Plataforma Grill, em São Paulo, da tentativa de informar o público sobre o que se faz de bom na literatura brasileira.
10 – E o décimo, frequentar Academias e tirar proveito do convívio dos acadêmicos ou de suas atividades.
Por último, permita-me dedicar o último mandamento a esta nossa Casa de Coriolano de Medeiros. Acho que as Academias, mesmo enxovalhadas (como o foi a brasileira pelo coleguinha Mário Sérgio Conti na Folha de S.Paulo , por ocasião da posse de Ferreira Gullar na ABL) cumprem um papel positivo para a divulgação da literatura e a criação de espaços para a manifestação dos escritores. Prefiro aqui apelar para o depoimento de meu último editor, José Mário Pereira, que me escreveu pontificando: “A Academia Brasileira de Letras edita livros, promove vários seminários durante o ano, desenvolve intercâmbio com universidades estrangeiras e abre seus espaços à visitação do público. O Pen Club também tem se mostrado muito ativo. Idem a Academia Carioca de Letras, que acaba de empossar Martinho da Vila. Isso para se lembrar o que acontece no Rio de Janeiro. Mas poderíamos citar ainda o exemplo de São Paulo, de Pernambuco, da Paraíba e de muitas outras instituições culturais espalhadas pelo país verdadeiramente comprometidas com a divulgação do que se produz de bom na literatura, nas artes, na música, no folclore, etc. Os jovens escritores têm sabido se reunir em blogs , via facebook , e esse entrosamento acaba resultando num melhor conhecimento do que está acontecendo com quem começa a escrever e tem interesse em ver divulgado o seu trabalho”.
Aqui ainda não chegamos a este ponto, mas apoio a abertura que a Academia Paraibana de Letras está dando para os estudantes conhecerem seu funcionamento. E acredito que isso poderá no futuro contribuir para incentivar jovens e bons autores.
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