Raquel Naveira
Escritora sul-mato-grossense, nasceu no dia 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Tem vários livros publicados: romance, poesia, crônicas e infantis.
Coluna semanal de Raquel Naveira
– Nº 3, 29/10/2014
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FLORES E CEMITÉRIO
“Por flor tenho loucura”, cantava Cássia Eller. O paulistano quando se dirige à zona oeste e passa pela Avenida Dr. Arnaldo, vê as inúmeras bancas de flores que alegram a calçada. Uma profusão de dálias, gérberas gigantes, tulipas, crisântemos, orquídeas, suntuosos arranjos, coroas fúnebres de astromélias roxas. O perfume e as cores provocam um choque, uma riqueza de sensações. Provando que as flores enfeitam a vida e a morte, as bancas ficam ao lado do muro do cemitério do Araçá. Araçá, aquela fruta pequena, de baga amarela, que atrai pássaros. Certamente havia pés de araçá nessa região onde hoje se erguem os túmulos que ultrapassam o muro, construções monumentais, casinhas, capelas e mausoléus que parecem feitos de granito e pedaços de ossos.
Em várias cidades como Buenos Aires e Paris os cemitérios são pontos turísticos, verdadeiros tratados de história. No Araçá estão enterradas algumas celebridades. Para o túmulo de Cacilda Becker, a atriz, mito dos palcos, diva vanguardista que provocou paixões avassaladoras, eu levaria um buquê de rosas colombianas vermelhas.
Para Francisca Júlia, a poetisa parnasiana que escreveu com novidade e rigor de expressão, com a calma de um vulcão contido, poemas que celebravam a frieza dos mármores e das esfinges; para aquela que mereceu uma estátua de Victor Brecheret intitulada “Musa Impassível”; para aquela que se perdeu entre visões e alucinações até as raias de um suicídio sem nenhum gemido, eu ofertaria uma camélia branca, símbolo da beleza perfeita de uma dama.
Para Assis Chateaubriand, o Chatô, empresário dono de um império jornalístico, mecenas, escritor, polêmico magnata da comunicação, que trouxe a televisão para o Brasil, controverso, amado, odiado e temido, eu deixaria um altivo girassol plantado no solo. Ali, ele viraria eternamente a cabeça para seguir o curso diário do sol, de leste a oeste.
Naquele imenso mausoléu dos policiais mortos em serviço, em batalhas sem glória na crueldade e embates da violência urbana, eu colocaria cravos de dobras estreladas, que combinam com luto e defuntos.
Aquela figura de túnica rósea e fina, que se ajoelhou curvada sobre a cruz do túmulo, a cabeça apoiada sobre as duas mãos, representando um momento de dor e reflexão, eu enfeitaria os seus cabelos de escultura com os caules lenhosos de uma coroa de madressilvas.
Por toda parte, em cada lápide que evoca saudades, amor, tristeza, respeito, sofrimento, eu espalharia ramalhetes de margaridas, que lembram a inocência perdida.
Feito esse passeio, meio maluca, espalhando flores pelas alamedas do cemitério, lá iria eu novamente, para dentro do meu carro preto. Desapareceria veloz entre as luzes da cidade.
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