Mito em contexto - Coluna 04
(Próxima: 5/7)
O Inverno e a renovação necessária
Na Grécia Antiga, entre os primeiros filósofos que tentaram explicar os mistérios do Universo, Heráclito dizia que tudo muda em um constante devir, nada permanece.
Mesmo quem não é filófoso sabe que o tempo passa e as estações do ano vão e vêm. Primavera, verão e outono passaram e está chegando novamente o inverno. Outro inverno, pois, como dizia Heráclito, não entramos duas vezes no mesmo rio.
Muitas analogias são feitas entre as estações do ano e a vida humana. A primavera é fértil como a juventude. O verão é vigoroso como a mocidade. O outono é a fase mais madura, não somos jovens, mas ainda não somos idosos. Quando o vigor acaba, chega o inverno.
A natureza se renova. No ciclo das estações, depois do inverno, tudo floresce e recomeça com a primavera. Se a analogia é verdadeira, também não morremos. Como a natureza descansa no inverno dos rigores das estações, também é necessário para nós o descanso que conhecemos como a morte do corpo físico. Depois do inverno, renascemos na primavera da vida, revigorados em um novo corpo.
Nem todos acreditam na reencarnação, mas a natureza tem uma explicação “lógica” para as mudanças das estações. Geograficamente, as estações do ano ocorrem devido ao eixo inclinado da Terra, que não recebe a luz do sol de maneira uniforme durante sua rotação . Da mesma forma, os movimentos da Terra explicam por que em um hemisfério é verão e no outro é inverno.
Pela observação dessas mudanças e do passar do tempo, os antigos sempre celebraram os ciclos da natureza e a importância das transformações em suas vidas.
O mito grego que explica a alternância das estações do ano é o de Perséfone, a jovem filha de Deméter, deusa das colheitas. Perséfone colhia flores quando foi raptada pelo deus do reino inferior, Hades.
Deméter não se conformou com a perda da filha. Sua tristeza murchou as flores e secou os frutos das árvores.
Zeus pediu a Hermes, mensageiro dos deuses, que resolvesse a situação. Mas Perséfone já estava casada com Hades, comeu romã, a fruta que prende a pessoa que a come no reino infernal, e tornou-se guardiã dos mistérios do mundo subterrâneo. Estava ligada a ele eternamente.
Hermes convenceu Hades a deixar que Perséfone ficasse uns meses com a mãe e uns meses com o marido. Assim surgiram as estações do ano. A terra é fértil na primavera e no verão, quando Deméter está com a filha. Quando Perséfone volta para o marido, é tempo do inverno e do outono.
Na Primavera e no verão acontecem as colheitas. No outono e no inverno, pouco se colhe, a terra é preparada para as próximas estações. Esse equilíbrio sempre traz a certeza de que a Primavera voltará. Fica mais fácil suportar o inverno com a esperança da chegada da primavera.
Deméter e Perséfone foram cultuadas nos mistérios de Elêusis. Os adeptos agradeciam a fecundidade da terra e as colheitas em rituais secretos.
Apolo também era uma divindade adorada como protetor das colheitas e seu mito se relaciona com o ciclo das estações. Como deus da luz, levava o carro do sol pelo céu, determinando o dia e a noite. E a luz também fertiliza a terra.
No inverno, Apolo se recolhia ao país dos Hiperbóreos, onde o sol resplandecia o tempo todo. Na primavera, Apolo voltava para as festas realizadas em sua homenagem. Os homens esperavam durante o inverno pela luz de Apolo e por Perséfone, para que Deméter florescesse a Terra.
Embora o clima tropical não nos permita sentir uma diferença radical do clima nos dias de inverno, a natureza dá prosseguimento à sua ciclicidade. O sol se recolhe mais cedo e aparece pouco. A terra se purifica e se prepara nesse recolhimento necessário. As energias da natureza estão voltadas para dentro, pulsando, armazenando força para a renovação, esperando o momento certo de florescer, nos ensinando que existe o momento de reflexão sobre nosso interior também, podemos digerir idéias antigas e plantar idéias novas.
Poema para o inverno
O vento do outono
abraça a nova estação,
que chega com sua
ordem de recolhimento.
Como em um rito,
novos rumos se fazem
no casulo dos dias
à espera dos ciclos
das estações.
No rastro das névoas,
os sonhos não nascidos
escondem-se.
A vida lateja no
cortejo de idéias submersas.
Palavras extremas
aguardam o movimento
de fuga no vento,
ninho das idéias.
Há um poema intacto
no caminho do tempo
que aguarda o inverno,
mas só renascerei
na primavera.
Solange Firmino
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