PANORAMA DA PROSA BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA - VOL. 1

FRANCISCO PROSDOCIMI – É geneticista e escritor. Doutor pela UFMG, Francisco tem cerca de vinte trabalhos científicos publicados em revistas nacionais e internacionais, dentre contos e crônicas publicadas em dois livros de coletâneas de autores brasileiros. Mantém ao menos três blogues de literatura, filosofia e cultura geral. Mineiro de Belo Horizonte, Francisco tem experiência internacional e – tendo morado na Inglaterra (Cambridge) e Alemanha (Würzburg) durante seu doutorado – habita atualmente na França (Strasbourg), onde realiza um pós-doutorado em biologia genômica e evolução molecular. Francisco pode ser encontrado virtualmente nos seguintes sítios:
http://chicopros.com
http://chicopros.blogspot.com http://tragodefilosofia.blogspot.com

Contatos: franc@icb.ufmg.br
Página individual de prosa em Blocos Online



 Francisco Prosdocimi Conexão

Francisco Prosdocimi Crença preguiçosa de um trabalhador rural

Francisco Prosdocimi Quando um momento



QUANDO UM MOMENTO

               Escute: não venha com todas essas teorias para cima de mim! A vida não é feita de teorias porém de experiências. Ninguém sabe nada, ninguém lê, são todos ignorantes, eu incluído. Vivo do viver. Não quero saber de toda essa panacéia de conhecimento que você vem sempre trazer e jorrar aos baldes para cima de mim. Não acredito em nada disso. Apenas vivo e seguir é o meu caminho. Não gosto nem de planejar as coisas e me angustio quando vejo você e eles todos fazerem planos para sabe-se lá quando. Nem saberão se estarão vivos quando o dia chegar. Eu não! Vivo um dia depois do outro. Vivo o hoje e o agora. Não vivo o amanhã. Não quero saber. Vivê-lo-ei quando e se ele chegar. Isso me basta.
               
Entrei e vi o domo que se expunha no exterior, acima da construção. Era construído sobre dois arcos: fechava e reunia tudo que as pessoas pudessem pensar sobre mim ou sobre nós. Ah, nem sei se existe de fato "nós". Existe você e existo eu. Existimos nós. Será? Existo eu e disso eu sei posto que aprendi com Descartes. Você... eu nem sei. Não me acuse de solipsista, apenas não tenho saída com relação ao fato de que jamais saberei quem ou o que é você. Todos os que não fazem parte de mim, fazem parte do ambiente com o qual me relaciono. São como todas as outras coisas que estão fora deste sentimento que tenho de ser um indivíduo; propriocepção seria o termo técnico. Vida e não vida faz sim diferença, há uma clara ruptura. Porém às vezes penso as plantas como não-vivas. O que é o movimento, não? Sei que você se move e lembro-me de alguns de seus movimentos com entusiasmo. Ora, ora. Lembro muito bem, você me fez muito feliz naquela época que passou. O que estará por vir? Não saberemos até que chegue o dia. Não quero pensar, não quero imaginar, não quero prever. Quero apenas chegar lá, olhar para você e sentir o que tiver para sentir. Ou não, nunca se sabe. Dá sim aquele frio na barriga quando vejo os dias do calendário se sucedendo uns aos outros e o presente comendo avidamente o futuro e metamorfoseando-se nele.
               
Há um tipo de literatura louca que muito me agrada, antes nos outros que em mim. Li aquele livro do japonês e agora leio outro, do holandês. Morava em Amsterdã, que inveja! Por que não moro onde gostaria? Por que a vida me manda para lá e para cá? Por que ela põe pessoas como você no meu caminho? Não há teoria, não há nada, não há destino, não há dever. Há apenas as coincidências, o acaso e o caos. Não acredito em nada mesmo. Talvez no amor que senti por você e que talvez ainda sinta. Eu disse talvez. Não disse, escrevi. Dá na mesma. Comprei cinco livros essa semana, chegaram aqui. Fico sempre elétrico quando recebo minhas encomendas pelo correio. Compro pela internet porque não consigo ler muito bem em francês ainda e não há bons livros em língua inglesa nas livrarias. Em português, nem pensar. Nem na internet consigo encontrá-los. Leio em inglês mesmo, é bom porque a gente vai lendo e aprendendo o idioma. Mas lê-se mais devagar. As vezes é melhor ler mais devagar mesmo para poder digerir com calma o que os outros escreveram ou pensaram. A gente tem um pouco de ansiedade na leitura em língua materna. Quando leio em português tenho a impressão de estar fazendo algum tipo de leitura dinâmica. Se o texto é ruim, tudo bem – como o destes jornais que leio diariamente na internet. Leitura dinâmica presta para isso. Mas literatura mesmo ou filosofia, a gente tem que ler e engolir. O processo de deglutição literária por vezes não é assim tão leve e é preciso esperar para ver as idéias dos outros sendo digeridas lentamente em nosso corpomente. Idéias são como alimentos para o ser humano. Há leituras leves e pesadas. Gosto de ambas. As leves por vezes parecem bobas, mas a gente compreende melhor, monta aquele quadro conceitual bem preciso e claro. As pesadas são como uma feijoada que a gente come e tem que ficar ali bodado para deixar o estômago se virar. Dizem que comer mata, não é? Existem estudos com ratos, moscas e vermes. Sei que não somos nada disso, mas parecemos. Vida é tudo igual. Vida aqui, vida ali. É tudo variação do mesmo tema e a gente é tudo bicho também. Tem gente que acha isso esquisito. O que não falta é gente louca neste mundo, não concorda? Enfim, não sei o que venho fazer aqui a t'escrever estas palavras. De fato, não escrevo exatamente para você, embora goste de colocá-la claramente neste lugar de musa. Às vezes penso que se tivesse deus, talvez não precisasse de musa alguma. Os padres devem se inspirar em seu Deus com maiúsculas: onipotente e onisciente; pobre coitado. Eu que não sou padre e que dentre os pecadores serei talvez um dos maiores, posto que blasfemo a todo instante, incomodo-me com esta idéia de um ser controlador e termino por colocar você mesma no pedestal. Ave ti! Desculpe-me por isso, sei que não é assim tão confortável estar em posição de destaque na vida de alguém. Com isso vêm responsabilidades, direitos e deveres. Não queria incomodá-la, mas você me aparece assim sem mais nem menos, com todo este charme. Eu não poderia fazer diferente; e até me desligo das questões pronominais quando o assunto passa por você. As outras, às vezes, me dão preguiça. Quase sempre, muita preguiça. É bom quando estou com elas, a bem da verdade. Mas quando estou sozinho não me fazem nenhuma falta. Mal penso nelas. Penso só em você e te vejo fazendo poses em cima deste pedestal que construí. Vejo que você fica desconfortável aí encima e qualquer hora remove-te mesmo daí que é para não te causar nenhum dano psicológico irreversível. Mas tenho sempre a dúvida se conseguirei colocar outra no lugar. Dá medo de não encontrar.
               
Hoje eu acordei com sono e amanhã acordarei também posto que o horário mudou no relógio mas não na minha cabeça. Ou até mudou, mas não por conta disso. Está sempre mudando, metamorfose ambulante. Peguei os cinco livros que chegaram e li o prefácio de três. Tenho isso para mim: quando compro livros devo ler pelo menos o prefácio de todos. Alguns ficam ali estanteados por meses ou anos. Leio todos por partes, vários ao mesmo tempo. Não consigo mais pegar um de cabo a rabo e dar conta dele. Não faz sentido. Ando sempre com vários para poder escolher qual ler, dependendo do humor do momento. Um livro não é companhia boa, preciso de vários. É por isso também que amo minha biblioteca e estou sempre a aumentá-la, à custa deste número que desce, mas que se segura. Enquanto tiver este valor de troca por livros, além de uma musa, estarei bem. Isso sem contar com o rango, a bebida e o cigarro: males necessários à vida de qualquer ser humano que não se preze. Enfim, já é tarde e não tenho mais o que dizer; ou escrever. Eu só quero paz.

1  2    3 


Francisco Prosdocimi
Retornar à capa
Maurem Kayna