PANORAMA DA PROSA BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA - VOL. 1

SABRINA JUNG – Gaúcha, nascida no ano de 1970 em Santa Cruz do Sul, muda-se para Porto Alegre 20 anos depois. Estudante de Administração de Empresas com habilitação em Marketing pelas Faculdades Rio-Grandenses, escreve há alguns anos. Começou a publicar seus textos, em especial crônicas, em sites literários e em sua página pessoal na internet. Escreve por paixão e não por profissão – pelo menos por enquanto.

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          Sabrina Jung Abra a boca e feche os olhos

Sabrina Jung O professor

Sabrina Jung A menina e a moça


A MENINA E A MOÇA

A Menina tinha cinco anos. Era pobre, morava na favela, num barraco no alto do morro. Morava com a Moça e a irmã da Moça, sua tia.
A Moça tinha vinte e três. Tivera a Menina com dezoito. Era de origem muito humilde. Mal sabia escrever.
O pai da Menina era um traste. Morou com a Moça, tirou sua virgindade, fez nela um filho, e se mandou. Levou consigo, todos os sonhos da Moça.
A Moça não podia contar com a ajuda de ninguém, a não ser da irmã mais nova e de Deus.
A Menina era a grande paixão da Moça.
Quando nasceu, foi recebida com todo amor que uma mãe poderia experimentar ao segurá-la pela primeira vez nos braços, trêmulos de fraqueza e emoção, após o parto.
A Moça era a paixão da Menina.
Criada sem pai, apegou-se à mãe, como quem se agarra a um pedaço de madeira, boiando no oceano. A Moça era seu mundo.
À noite, no alto do morro, da janela do seu barraco, a Menina observava encantada, as luzes da cidade. Sonhava que possuía asas, e que um dia poderia sobrevoá-la.
A Moça, quando abandonada pelo traste, com uma cria nos braços para alimentar e sem conseguir emprego em lugar algum, entrou em desespero.
Por amor à Menina, se despiu de qualquer pudor, moral ou princípio, e jogou-se na vida.
A Moça virou mulher. Mulher da vida. Mulher de vida fácil, como muitos gostam de falar. Mas acredite de fácil sua vida não tinha nada!
Sustentava a sua irmã e a Menina.
Queria que a irmã estudasse, para não ter o mesmo destino que o seu.
E à noite, quando ia para o trabalho, contava com a ajuda da irmã para cuidar da Menina.
A Menina não sabia o que a Moça fazia. Era melhor assim. Já agüentava olhares e dedos acusadores demais. Não suportaria este tipo de desprezo, por parte da Menina.
Pelo menos por enquanto conseguia despistar a Menina, alegando que trabalhava à noite por ser enfermeira, que cuidava dos doentes em um hospital. Para isso contava com o total apoio e compreensão por parte de sua irmã.
À noite, a Moça tomava um banho, vestia uma roupa limpa,  e se dirigia a um pequeno altarzinho cheio de Santos na entrada do seu barraco. Rezava. Pedia para os seus Santos coragem, proteção e estômago para mais uma noite de trabalho.
Dava um beijo na Menina e pedia para ela se comportar, enquanto estivesse fora de casa.
Repetia este ritual todas as noites, não sentindo mais culpa ou remorso. Tinha apenas um sentimento de resignação. Esta era a sua vida. Não a que escolhera, mas a que lhe fora imposta.
Via na Menina a sua redenção. O perdão pelos seus pecados.
Era janeiro. O carnaval se aproximava. Resolveu confeccionar com suas próprias mãos uma fantasia para a Menina. Era uma fantasia de fada.
Comprou tecido, linha, paetês rosa claro, da cor do tecido, e umas penas brancas para a parte principal da fantasia, as asas com as quais a Menina tanto sonhava.
Levou aproximadamente um mês para a fantasia ficar pronta.
Os poucos momentos de felicidade que a Moça teve na vida foram proporcionados, na sua maioria, pela alegria contagiante da Menina.
E no momento em que a Menina vestiu a fantasia pela primeira vez, encantada com suas asas "de verdade" como disse, a Moça só desejou congelar aquele instante, para sempre na sua lembrança, tamanha era a sua felicidade.
Era domingo. Mês de fevereiro. A Menina estava pronta, com sua roupa de fada, ansiosa para a Moça levá-la ao Baile Infantil, que era realizado todos os anos, pela comunidade da favela.
Antes de sair, a Moça tirou uma foto da Menina.
A Moça e sua irmã levaram a Menina, que mal podia acreditar no tamanho de suas asas, à festa.
A Menina pulou, brincou, dançou. Mostrava suas asas para todos. Chegava para as outras crianças e dizia:

– Viu? Agora eu vou poder voar. Eu sou uma fada, e as fadas voam.

A Moça dava risada, encantada com a felicidade da sua Menina.
O baile acabou.
Elas estavam indo embora, quando começou um tiroteio na favela.
Era a eterna disputa entre traficantes rivais, cada um querendo deter um poder maior.
Todos correram, tentando escapar das balas que teimavam em encontrar uma vítima. E encontraram.
No chão caída estava a Moça. Imóvel, quase sem respirar, em choque.
Embaixo dela se encontrava a Menina. A Menina e suas asas, agora sujas de sangue.
Recuperando a voz a Moça começou a gritar, pedir ajuda, mas era tarde.
De tanto teimar, a bala encontrou em seu caminho, justo a Menina. Oh, Deus! A Menina. E suas asas...
Do jeito que estava, vestida de fada, a Moça a enterrou.
No Adeus à Menina, a Moça conseguiu falar:

– Pelo menos isto eu consegui te dar, minha Menina. As tuas asas!

Duas semanas se passaram.
Era noite. A Moça tomou banho, colocou uma roupa limpa, e se dirigiu ao seu altar.
Pediu, como sempre, proteção aos santos, que agora estavam acompanhados da foto da Menina. Da Menina vestida de fada.
Naquela noite, a Moça foi trabalhar, sob proteção dos Santos e agora também, da Menina.
Da Menina que, enfim, poderia voar...

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Tânia Du Bois