COLUNA DE VÂNIA MOREIRA DINIZ

Nº 4 - 21/9/2006
(próxima: 6/10/2006)

          

Do Ninho para Homenagear o Poeta

Encontrei-o no cenário de minhas primeiras lembranças e reconheci-o quando minha mãe levou-me para casa depois que cheguei ao mundo, aquecida em mantas de lã. Lugar estranho esse que precisava sofrer para encontrá-lo. Entretanto fui recebida com olhares de muito amor que aqueciam mais do que as roupas com que me cobriam.

Tudo ocorreu tão depressa que quando me dei conta já não sentia a mesma temperatura e divisava figuras estranhas.

Estava tão bem, feliz e descansada, numa morna umidade e alimentada com fartura. Não pensava, apenas sentia muito conforto e me julgava o centro de tudo, sozinha respirando por intermédio dela, que me transmitia tanto carinho que eu dormia horas a fio tranqüila e profundamente. Não sabia de nada e nem queria saber. Ouvia vozes sussurradas e quando falavam mais alto eu me encolhia e tudo voltava ao normal. Mas agora sentia algo desagradável e é como estivesse sendo puxada para fora do meu ninho. Repentinamente um ferro pressionava minha cabecinha e já não me sentia feliz. Será que ia desaparecer? Fechei os olhos tentando agitar meus bracinhos e experimentei um ar entrando e me deixando tonta, horrível sensação de medo e maltrato. Não consegui respirar direito, parecia asfixiada, o oxigênio me sufocava. Chorei muito, aos berros e após tantos sobressaltos conheci a sensação de lento e indefinido bem-estar. Não sei o que faziam comigo, mas admirava as coisas que eu nunca vira, coloridas e desconhecidas e uma sensação de que tinha saído do meu espaço.

Tinha que fazer um esforço para comer e escorria um líquido morno e gostoso. Desejava dormir e não queria sair dos braços que me aninhavam. O cheiro me parecia o mesmo de quando eu estava lá dentro.

Não tinha noção do tempo até que me levaram para uma casa bonita e onde conheci os outros rostos e um deles era ele. Tinha uns olhos que penetravam, olhava-me e também mexia comigo até que eu ficasse com medo. Mais tarde compreendi. Era meu irmão mais velho, companheiro em todas as fases da vida, o poeta que compartilharia os poemas compostos um dia e muitas vezes em parceria. Uma parceria de brincadeiras, amor, estudos e cantos maviosos que encantaria nossos dias.

Por isso faço uma homenagem a ele que se foi prematuramente deixando-nos num mar de saudades.E pergunto-me mil vezes se seria para o lugar de onde vim. Dia 31 seria seu aniversário, daquele mesmo poeta-irmão que me esperou após meu nascimento para transmitir-me ternura e fazer-me companhia em muitos momentos dessa vida.

O meu amanhecer nesse planeta foi cercado de risadas e de brilhos, o horizonte tão distante, o mar a poucos passos, as montanhas longínquas e onipotentes e a figura de meu irmão mais velho, claro e rosado, cabelos negros e olhar de uma ternura jamais conhecida. Seu sorriso tinha a esperança da eterna felicidade e ao mesmo tempo a singeleza dos momentos de fantasia e paixão.

Ele me esperou num dia de outubro, muito sol e o céu claro e compreendi que tinha muito a aprender. Sua inteligência vibrante me acompanhou todos esses anos até o momento há dois anos em que partiu sereno como caminhou nas calçadas que ele cantou em ritmo harmonioso.

Eu o reconheci logo que cheguei ao mundo e indefesa, quando fixou-me os olhos castanhos e pude avaliar o meu amanhecer nesse planeta em que eu chegava aturdida, talvez já poeta, sentindo meu próprio canto nos soluços incompreensíveis e as lágrimas que desciam, ternas, sentimentais de tristeza ou alegria, não importa, mas com o ritmo da canção e do amor. O meu amanhecer.

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