JOSÉ NÊUMANNE PINTO |
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. E conheça o também a poesia do colunista no site: http://neumanne.com
Coluna de 23/11//2015
Mário Marinho, editor do jornal virtual JT Sempre sobre remanescentes do Jornal da Tarde, onde ele e eu trabalhamos, me pediu um texto sobre Moacir Japiassu, mestre e colega que perdemos no ano passado.
Tínhamos pouca coisa em comum. Ele era branco, sanguíneo, ruivo, como o chama Márcia, um galego sarará, quase albino. Eu sou negro. Não leve a mal: não reconheço sequer a existência genética de raças. Só faço um registro biológico: conservo no sangue traços de anemia falciforme, doença étnica que só ocorre em afrodescendentes. Meus descendentes atestam. Meus três filhos, cinco netos e eu carregamos a herança, estigma nenhum: somos todos de aparência branca, uns mais, outros menos. Ele era Vasco e eu, Flamengo. Nunca trabalhamos na mesma redação à mesma época. Ambos passamos pelo Jornal do Brasil, pelo Estado de S. Paulo e pelo Jornal da Tarde, mas em anos diferentes. Viemos da mesma origem, mas não nos cruzamos na Paraíba. Ele passou por Minas, eu pelo Rio. Encontramo-nos poucas vezes na São Paulo que adotamos. Nunca fui a Cunha, onde ele se refugiou com Márcia e seu computador implacável. Não somos da mesma geração. Ele dizia a quem eu o chamasse de mestre que esta era uma forma de marcar nossa diferença de idade, sendo ele nove anos mais velho do que eu. Sim, o considerado era mestre desde os tempos em que equilibrava bolas na ponta do nariz em jornais de Beagá. Não era mestre por vocação, mas por danação. Escrevia bem demais e conhecia os meandros deste idioma difícil que aprendemos com nossas mães. E o amava, assim como eu o amo: pelo sagrado motivo de que o tragamos no seio materno. Houve uma época em que declarei guerra aos conspurcadores do vernáculo “erguendo os gládios e brandindo as hastas, no desespero dos iconoclastas”, como mandava Augusto dos Anjos, nosso conterrâneo, mais dele do que meu, porque ele era menino de engenho e eu, guri da capoeira. Japi preservava seu amor filial pelo idioma inventado pelo caolho Camões no veneno letal que destilava em suas irresistíveis crônicas críticas aos paspalhos que escrevem antes de aprender a ler. Ele não era mestre pela aula, mas pelo exemplo. Nenhum aluno seu, talvez à exceção do filho Daniel, ouviu alguma lição dele. Todos as aprendemos na leitura de seus textos pelos quais se identificava mais do que pelas impressões digitais. Considerei subida honra ter escrito o posfácio de seu romance Concerto para paixão e desatino sobre a Revolução de 30 na Paraíba, tema recorrente no convívio entre paraibanos. O mineiro Lourenço Dantas Mota acha que o considerado foi uma vocação literária traída pelo jornalismo. Pode ser. Mas a língua portuguesa nossa mãe agradece seus desvelos em qualquer destas modalidades.
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