Raquel Naveira
Escritora sul-mato-grossense, nasceu no dia 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Tem vários livros publicados: romance, poesia, crônicas e infantis.
Coluna semanal de Raquel Naveira
– Nº 6, 19/11/2014
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ÁRVORE
Há muitos anos, numa dinâmica de grupo da escola onde dava aulas, uma psicóloga perguntou aos professores:
– Se vocês fossem um objeto ou algo da natureza, o que seriam e por que?
Imediatamente respondi:
– Sou uma árvore. Uma árvore frondosa, em perpétua evolução, ascendendo na vertical. Ao mesmo tempo, minhas raízes formam um desenho intrincado sob a terra, explorando as profundezas como renda. O tronco e os galhos buscam as alturas, atraídos pela luz do céu. Répteis, germes, minhocas, húmus, gotas de sêmen empapam minhas fibras. Pássaros voam nas ramagens. A água destila clorofila em minha seiva. O ar nutre as minhas folhas. Dependendo do raio ou do poder de fricção sobre meus galhos, posso virar uma massa de fogo. Sou árvore do mundo. Pilar de minha casa. Em certos períodos, me cubro de flores, em outros, de frutos repletos de sementes que gerarão outras árvores.
Aquela resposta súbita, espontânea, foi uma descoberta de autoconhecimento, uma viagem interior à procura de mim mesma, de meu eu verdadeiro. Fiquei surpresa, perplexa. Dona absoluta da natureza, da ciência e da arte. Afinal, era árvore e poeta.
Penetrando um pouco mais nessa ideia, lembrei que meu sobrenome “Carvalho”, de origem portuguesa, é referência a uma árvore especial, que simboliza força moral e física, resistência nas tempestades. A madeira do carvalho é rija, pesada, boa para confeccionar móveis, barris e barcos. Em maio produz flores que se transformam em bolotas, castanhas que se espalham pelo chão de argila e alimentam os esquilos. Muitas vezes, com a ventania, os galhos do carvalho tomam formas estranhas como cobras negras e rastejantes, que dão uma sensação de luta e cansaço na sua impossibilidade de ser derrubado. Sou um carvalho. E ergui a cabeça para fora da copa.
Há uma passagem do profeta Ezequiel em que ele fala que pessoalmente plantará árvores nos montes. Árvores que produzirão bons frutos e se tornarão exuberantes. Que pássaros se aninharão nos ramos e aves encontrarão abrigo. Todos então saberão que Deus faz cair a árvore poderosa e crescer alta e vigorosa a árvore baixa. Que Ele resseca a árvore viçosa e faz florescer a árvore que estava seca. Que nada está concluído, que sempre há alternâncias, mudanças, retoques, intervenções divinas.
Sinto-me árvore em posição tão baixa no vale. A tristeza despiu minhas pétalas. Mas tenho ainda esperança em projetos extraordinários e em promessas de não ser envergonhada. Ajuda-me, Senhor das Árvores, que andas todo de branco pelos bosques de carvalho.
Nunca esquecerei que, naquele dia de minha distante formação como mulher educadora, num impulso básico, afirmei:
– Sou uma árvore.
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