Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em cultura clássica.

Mito em contexto - Coluna 05
(Próxima: 20/7)

Labirinto, caminho para o centro

Vários mitos utilizam o simbolismo do centro como Fonte da Vida, Realidade Absoluta, Verdade, Justiça, etc. O centro pode ser representado por montanha, pedra ou árvore. Na tradição taoísta, por exemplo, uma montanha guarda a fonte da vida eterna; na Grécia, o centro do mundo era o omphalós , “Umbigo da Terra”, rocha mítica situada em Delfos.

O caminho para o centro está na experiência de Teseu no labirinto de Creta; na busca do Velocino de ouro; nas peregrinações aos lugares santos, como Jerusalém e Meca; nas sinuosidades dos templos e nas adversidades do devoto em busca do caminho para o centro do ser. Esse caminho pode ser um labirinto tortuoso, além de estar em lugar de difícil acesso e guardado por monstros.

A superação do caminho é a metáfora da jornada espiritual, e permite desenvolver as virtudes guerreiras que o ser humano pode alcançar, se vencer o combate com o monstro que guarda seu labirinto interior.

O labirinto é um símbolo encontrado em muitos países. Os primeiros que conhecemos foram encontrados em torno do Mediterrâneo, inscritos em telhas, vasos de cerâmica, moedas, talismãs, tumbas, e associado a rituais de fertilidade e cerimônias religiosas. Entre os mosaicos que pavimentavam os pisos das vilas ou igrejas da Europa Medieval, o mais conhecido é o labirinto da Catedral de Chartres, na França.

O tipo de labirinto no pavimento das catedrais era conhecido como Caminho de Jerusalém . A caminhada pelo labirinto substituía a peregrinação à Terra Santa, depois das Cruzadas. Caminhando nele, o devoto alcançava o centro ou cidade santa , imagem não da Jerusalém real, mas da "Jerusalém Celeste", símbolo do centro sagrado. O desenho do labirinto simbolizava o tortuoso caminho do cristão até a redenção. Atualmente símbolos labirínticos ainda são utilizados para estimular a meditação ou como Caminho de Prece .

Muitos achavam que os labirintos eram mapas do mundo subterrâneo, que mostravam o percurso da alma após sua partida, simbolizando assim a morte. Poderiam simbolizar o renascimento, se a alma era capaz de ir até o centro do labirinto, era capaz de fazer o caminho contrário.

Entre as funções originais do labirinto, há também a defesa de um “centro”. O labirinto, quer estivesse defendendo uma cidade, um túmulo ou um santuário, estaria defendendo um espaço mágico-religioso, tornando-o inacessível aos não-iniciados e dificultando a invasão de inimigos.

O labirinto mítico mais conhecido é o da ilha de Creta. Minos, rei de Creta, solicitou a Poseidon, deus do mar, um touro para que pudesse provar seu poder aos adversários. O deus fez sair do mar um touro branco que Minos devia oferecer em sacrifício ao deus, como agradecimento. Admirado com sua beleza, o rei guardou o touro em seu rebanho e sacrificou um semelhante em seu lugar.

Poseidon, enfurecido, pediu à deusa Afrodite que despertasse em Pasífae, esposa de Minos, um desejo incontrolável pelo touro. Pasífae pediu a Dédalo que construísse uma vaca oca de madeira para que ela pudesse colocar-se dentro e consumar seu desejo. Dessa união nasceu Minotauro, monstro com cabeça de touro e corpo de homem. Minos, assustado com o nascimento do monstro, encarregou Dédalo da construção do labirinto onde foi colocado o Minotauro, que era alimentado com carne humana.

Na guerra contra Atenas, o rei Minos venceu e fixou o seguinte tributo: a cada três anos (ou todos os anos, ou a cada nove anos), os atenienses teriam de mandar a Creta sete rapazes e sete moças, que seriam oferecidos ao Minotauro. Se este morresse, o tributo cessaria.

Teseu, um jovem herói, filho do rei ateniense Egeu, foi à ilha de Creta com outras vítimas tentar libertar Atenas do tributo. Ariadne, filha do rei Minos, apaixonou-se por Teseu. Para que o herói não se perdesse no labirinto, deu-lhe um novelo de lã para que ele desenrolasse enquanto caminhava. Teseu matou o Minotauro e, com a ajuda do fio, conseguiu sair do labirinto.

Outro tipo de saída do labirinto está na lenda de Dédalo e seu filho Ícaro. Quando acabou a construção do labirinto, Minos prendeu Dédalo e seu filho Ícaro para que o segredo da construção não fosse revelado. Dédalo, inventor astuto, fabricou asas com cera e penas para fugir voando, já que o labirinto era aberto em cima. Avisou a Ícaro que não voasse muito alto, pois o calor do sol derreteria a cera. Ícaro não obedeceu, caiu no mar e morreu. Segundo leituras religiosas, essa história simboliza o vôo místico, em que a alma voa para Deus. O perigo é chegar muito perto do Sol, simbolizando a divindade, senão a alma recai no mundo material.

O labirinto que conhecemos hoje é um caminho que permite várias escolhas. Os cerimoniais que utilizam rituais labirínticos têm o objetivo de ensinar como penetrá-lo sem se perder, e encontrar o centro do ser.

Quem sabe a vida é uma viagem sagrada pelo labirinto. O caminho é cheio de obstáculos, mas é preciso caminhar, lutar com o monstro e sair vitorioso, usando o “fio” da consciência que indica o caminho de volta, reconhecer os caminhos a percorrer, não se exaltar, como Ícaro, buscar o equilíbrio, como Dédalo.

Tão poderosos quanto o Minotauro de Creta, temos monstros diários com quem devemos lutar. Como Teseu, quem sabe todos podemos ser heróis. E as conquistas serão troca, crescimento, descoberta, visão e vitória sobre os desafios que aparecem em cada etapa dessa viagem, que pode terminar em um belo vôo místico.

Equilíbrio

Labirinto
é para se perder
no meio das rotas
tortas
ou
retas

Bom é achar
abrigos
caminhos
portas
destinos

Ideal
é transcendê-lo
em vôo
como Dédalo

Não tão perto
do sol
como Ícaro

Labirinto é
para achar
o caminho
do meio

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