AS LENDAS DE ARUANDA - Ronaldo Torres

Capítulo  4


Conto 04 – Eram os Orixás Adúlteros?

Kawo kabiesilé, Xangô!

Eparrê, Iansã!

Quarta-feira, é o dia de Xangô e de uma de suas três esposas, Iansã, conhecida também como Oyá. Seus filhos devem vestir vermelho e branco para Xangô, ou grená e marrom para Iansã.

Xangô é o orixá símbolo da Justiça, um mulherengo inveterado e bom orador. Perseguidor implacável dos malfeitores, dizem que cospe fogo tal qual os dragões em seus momentos de fúria. No sincretismo com os santos católicos, corresponde a São Jerônimo.

Iansã é a divindade dos ventos, dos raios e das tempestades. A Santa Bárbara dos católicos. Foi a primeira esposa de Xangô e ex-esposa de Ogum, o ferreiro, este, filho de Yemanjá com Oxalá.

Diz a lenda que Oyá era companheira de Ogum e lhe auxiliava na sua metalúrgica, trabalhando como ajudante de ferreiro, ora atiçando o fole, ora carregando as ferramentas. Ogum, grato à companheira por lhe ajudar sem cobrar salário nem torrar a sua paciência, lhe presenteou com uma lança igual a sua, que tinha o poder de dividir o homem em sete. Tão apaixonado estava, que a lança de Oyá ganhou poderes de se dividir em nove durante um combate, caso fosse tocada pela arma do adversário.

Um dia Xangô apareceu jogando olhares lascivos para Oyá, uma bela morena de cabelos anelados e olhos tentadores. Xangô era um orixá vigoroso, seguro de si, usando brincos e pulseiras, além de belos anéis nos dedos. Oyá sentiu os olhares penetrantes de Xangô abalar seus alicerces sentimentais, não resistiu, e fugiu com ele para a floresta. Ogum, ferido em seus brios de macho, pediu permissão a Olorum para duelar com sua ex-amante. Queria vingar a honra ferida.

Permissão concedida, partiu Ogum atrás de Oyá e travaram um longo, violento e inesquecível duelo, e chegou uma hora que os dois se tocaram com suas armas, mutuamente. Ogum se dividiu em sete e Oyá em nove, se transformando em Iansã, que quer dizer, mãe dividida em nove, ou nove mães. Em desvantagem numérica, Ogum desistiu da luta e foi para o mar esfriar a cabeça. Xangô e Iansã pegaram um avião e foram passar a lua-de-mel em Aruanda, e viveram felizes até o dia em que apareceram duas pretendentes ao amor de Xangô: uma, outra ex-mulher de Ogum, uma guerreira de nome Obá; a outra, a mais bela das belas deidades, Oxum, a orixá da fertilidade.

Xangô, além de mulherengo, era um comilão e adorava pratos suculentos e variados. As duas pretendentes travaram um duelo ao pé do fogão, cada uma com sua culinária requintada, procurando fisgar o coração de Xangô pela boca.

Um dia Oxum preparava um prato para o seu amado com um véu cobrindo-lhe as orelhas, quando se aproximou Obá; curiosa, quis saber o que a rival estava cozinhando.

– Estou fazendo ensopado de minhas orelhas, pois descobri que Xangô adora uma orelha ensopada – disse a dengosa e inteligente orixá.

Obá ficou de botuca e viu quando Xangô chegou, se aboletou e devorou a comida com tremendo gosto e satisfação, lambendo os lábios, os dedos e repetindo o prato mais seis vezes. A semana seguinte seria a sua vez de servir o almoço para Xangô e não contou conversa: passou o facão em uma orelha sua e serviu ao molho pardo ao orixá da Guerra e da Justiça, o Guerreiro Supremo. Este, sentindo o gosto de cera de ouvido, quando soube do que se tratava, deu um urro, se levantou furioso, meteu o pé na mesa, chutou o prato longe e ainda deu uns catiripapos na orixá guerreira. Sem entender patavina de nada, Obá foi ter com Oxum e saber o que tinha saído errado. Chegando lá, caiu em si e tomou consciência de que havia sido vítima de uma sórdida armadilha, preparada pela debochada rival. Travaram o maior quebra-pau em Aruanda, com as duas se unhando e se descabelando, e Obá querendo arrancar a orelha de Oxum a dentadas, até que um vizinho correu para avisar a Xangô e o mesmo apareceu para pôr ordem na casa, distribuindo bofetões a torto e a direito, ameaçando soltar fogo pelas ventas. Dizem que as duas, com medo da fúria de Xangô, fugiram para a floresta e se transformaram em rios.

É por causa da vergonha da orelha decepada que Obá se manifesta nos humanos cobrindo as orelhas.

 

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