EPHEMERDAS, por GLAUCO MATTOSO

GLAUCO MATTOSO é poeta, auctor de mais de cinco mil sonnettos. Actualmente não compõe mais nesse molde, mas ainda practica outras estrophações.
Para informações sobre a orthographia que adopta, suggere-se accessar:

http://correctororthographico.blogspot.com.br


DEZEMBRO/2014

ANTHRO/POP/HAGIA

Oswald de Andrade pode, sim, ter sido feliz ao conceber um bello pretexto para a nossa dependencia cultural das influencias extrangeiras, ou seja, bem bollou esse cannibalismo carnavalesco que combina com a caricatura indigenista dos tropicos. No plano litterario, tal anthropophagia (resumida no lapidar trocadilho de "Tupy or not tupy, that is the question") funccionou a contento para os padrões (ou antipadrões) modernistas. Mas, no plano musical, a verdadeira "devoração" rhythmica e thematica da diversidade alienigena foi feita, mesmo, nos States e, por extensão, na canção pop (sobretudo rockeira) de lingua ingleza. Aqui não tenho espaço para theorizações que exigiriam volumosas theses, mas parto do presupposto de que tem sido no rock (e em seus generos parallelos) e não no cancioneiro brazileiro que as mais variadas tendencias dansantes vão se fundindo numa unica e eclectica digestão junkie. De passagem, recordo outra polemica: ha quem diga que o jazz seria o unico genero musical genuinamente americano, emquanto outros salientam que é justamente no jazz que se processam as fusões mais tendentes a uma supposta "musica mundial". Prefiro me atter ao rock.

Pela proximidade geographica, é natural que a musica latino-americana, sobretudo a caribenha, tenha sido a principal fonte da cannibalização rockeira. Nem fallo de casos ponctuaes como os de "La Bamba" transformada em "Twist and shout" ou de "Babalu" transformada em "Papa-oom-mow-mow". Basta lembrar os casos mais genericos, como o da rumba estylizada por Bo Diddley ou do cha-cha-cha estylizado pelas innumeras bandas que regravaram "Louie Louie" a partir da historica faixa do grupo Richard Berry and The Pharoahs (sim, Pharoahs, não confundir com os Pharaohs do Sam the Sham).

No caso do ska jamaicano, que, tanto quanto o reggae, tem parentesco com rhythmos caribenhos (como o calypso) e que fructificou mais amplamente no ambiente britannico, são pioneiros os exemplos que ponctuaram nas paradas internacionaes ja nos idos sessentistas, como "My boy Lollipop" pela Millie Small ou "Baby come back" pelos Equals. É sobre um desses popskas que fallo hoje, por ser o mais marginal e ostracizado: "Shame and scandal in the family", gravado em 1965 por Lance Percival e Shawn Elliot, com posteriores regravações que vão de Peter Tosh a Trini Lopez, passando pelos Stylistics. No Brazil a faixa mais tocada foi a de Elliot, que deu origem à pueril versão de Renato e seus Blue Caps, adequada aos nossos tempos de censura dictatorial, cujo refrão era "Conhesci um cappeta em forma de guri". Passada aquella phase de successo, a canção foi "archivada" na scena, emquanto muitos desinformados acham que o mais pioneiro popska seria "Ob-la-di, ob-la-da" dos Beatles.

Fiquemos, porem, com a incestuosa e adultera lettra original de "Scandal", que tambem soffreu variantes em alguns versos. Aqui vae ella, com seus erroneos colloquialismos de inglez, typicos dos suburbios terceiro-mundistas, como "don't know" em vez de "doesn't". Tracta-se duma anecdota magistralmente adaptada a versos cantaveis, na qual um joven quer a permissão do pae para se casar, mas, para cada garota que namora, o pae responde que não, porque "ella é tua irman mas tua mãe não sabe". Quando o rapaz, envergonhado, resolve abrir o jogo com a mãe, esta contraria a expectativa e acha graça, respondendo: "Vae em frente, garoto! Teu pae não é teu pae mas teu pae não sabe!".

            SHAME AND SCANDAL IN THE FAMILY [Brown/Donaldson]

            Woe is me
            Shame and scandal in the family

            In Trinidad there was a family
            With much confusion as you will see
            It was a mama and a papa and a boy who was grown
            He wanted to marry, have a wife of his own
            Found a young girl that suited him nice
            Went to his papa to ask his advice
            His papa said: "Son, I have to say no,
            This girl is your sister, but your mama don't know"

            Oh, woe is me
            Shame and scandal in the family

            A week went by and the summer came 'round
            Soon the best cook in the island he found
            He went to his papa to name the day
            His papa shook his head and to him did say
            "You Can't marry this girl, I have to say no
            This girl is your sister, but your mama don't know"

            Oh, woe is me
            Shame and scandal in the family

            He went to his mama and covered his head
            And told his mama what his papa had said
            His mama she laughed, she say, "Go man, go
            Your daddy ain't your daddy, but your daddy don't know."

            Oh, woe is me
            Shame and scandal in the family

Ja que a maxima celebração de dezembro gyra em torno da familia christan e, por extensão, de todas as familias harmonicamente constituidas, cabe ao poeta maldicto assignalar o incommodo facto de que nem todas as familias se enquadram nessa utopica cellula da convivencia humana. De minha parte, illustro os desadjustes com dois sonnettos, o primeiro dos quaes tirado da serie "Minhas cirandinhas", e desejo a todos, adjustados e desadjustados, um festivo final de anno.

            MINHAS CIRANDINHAS (VII) [3497]

            Como somos gente fina,
            damos neste lupanar.
            Nosso cu, papae ensigna,
            volta e meia vamos dar.

            Não se afflija, não, menina,
            porque o boi vem nos pegar!
            Elle paga uma propina
            que não dá p'ra recusar!

            Quem quizer pedophilia
            que se accerte com tithia
            e converse com mamãe!

            Não queremos (Né, maninha?)
            que quem, fora, se apporrinha
            pague caro e, aqui, se accanhe!

            PARA UMA FAMILIA UNIDA [2613]

            Si "vice is nice, incest is best", à risca
            seguiu aquelle austriaco o dictado
            inglez! Pois, com a filha, o pae tarado
            tivera filhos-netos! Boa bisca!

            Um cara que a ser pego nem se arrisca
            mantendo num porão o sequestrado
            netinho, que da mãe repousa ao lado
            na cama, é verosimil? Me bellisca!

            Incrivel! Vou morrer e não vi tudo!
            Depois ainda fallam que o ceguinho
            inventa muita coisa, é linguarudo...

            No escandalo a seguir, até adivinho
            o caso: irmão e irman teem surdo-mudo
            rebento, e um cego a avó com seu sobrinho!

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