Raquel Naveira

Escritora sul-mato-grossense, nasceu no dia 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Tem vários livros publicados: romance, poesia, crônicas e infantis.       

Coluna semanal de Raquel Naveira
Nº 24, 06/05/2015

MALBA TAHAN

                  Guardo com carinho a coleção de livros de Malba Tahan, as capas desgastadas cor-de-vinho com letras brancas. Neles sorvi o amor pela raça oriental.

                  Malba Tahan era na verdade o heterônimo do professor Júlio César de Melo e Sousa, escritor, matemático, personalidade original e imaginativa. Estudou a fundo aspectos da cultura árabe. Propôs a Irineu Marinho, dono do jornal carioca “A Noite”, escrever uma série de contos que lembravam as narrativas das Mil e Uma Noites. Foi um sucesso. Nascia assim o personagem Malba Tahan.

                  Júlio César criou uma biografia para Malba Tahan. Teria vivido em Meca, depois de haver permanecido doze anos em Manchester, onde o pai era vendedor de vinhos. Visitou a Rússia, a Pérsia, a Índia e, finalmente, o Brasil, sempre observando os costumes dos povos.

                  O professor Júlio César inventou também a existência de um tradutor de Malba Tahan pra o português, Breno Alencar Branco, conhecedor profundo de poesia, de vocábulos e expressões árabes.

                  Graças a Malba Tahan, meu universo de criança foi povoado de sultões, odaliscas, princesas, caravanas, dijins, homens de turbantes cinzentos seguindo luzes azuis.

                  Caminhei com ele por uma Bagdá que nada tem a ver com sublevações, com o ditador Saddam Hussein, a Guerra do Golfo, o uso das armas químicas, a guerra civil que ceifou milhares de vidas. A minha Bagdá era a do distante califa Harun-al-Rashid, época marcada pela prosperidade científica, cultural e religiosa no Islã. A Bagdá lendária da biblioteca “Casa da Sabedoria”, das histórias fantásticas narradas por Sherazade. A Bagdá suntuosa, florescendo como joia entre oásis e palmeiras, a mais esplêndida cidade do mundo.

                  As lendas do deserto me fascinaram com seus magos, beduínos, cheiques, mercadores de lâmpadas, espelhos, recompensas e tesouros vindos das mãos de Allah. Percorria as páginas com alegria, vendo brilhar ensinamentos e estrelas maravilhosas.

                  O célebre O Homem que Calculava, com seus problemas e curiosidades matemáticas em forma de narrativa das aventuras de um calculista persa, chamou-me a atenção para um misto de lógica e mistério que há nos números.

                  E não é que o beduíno/poeta/professor Júlio César, o próprio Malba Tahan em pessoa, apareceu certa vez na minha cidade, a descampada Campo Grande, no sul de Mato Grosso? Deu uma palestra concorrida no Rádio Clube. Eu era adolescente, uns doze ou treze anos talvez, e estava enfeitiçada, andando nas nuvens num tapete persa. Terminada a palestra, fomos apresentados. Ele pegou minhas mãos que tremiam e disse: “– Vejo que você é uma menina muito sensível. Tem talento na alma. Continue lendo.” Fiquei perplexa: Malba Taham conversou comigo. Uma caravana passou perto de nós com camelos e cantis carregados de pérolas.

                  Sob o manto brocado daquela noite, repeti várias vezes: “Maktub! Maktub! Estava escrito”. Acreditei que escrever era meu destino, uma fatalidade.

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