Mito em contexto - Coluna 07
(Próxima: 20/8)
Urano, Crono e Zeus, pais castradores e devoradores
Do Caos surgiu Gaia, a Terra, que criou Urano, o Céu, para preencher o espaço vazio sobre ela. De Gaia e Urano nasceram os Hecantoquiros, os Ciclopes, as Titânidas e os Titãs. Mas Urano, temendo perder o poder, devolveu os filhos ao ventre de Gaia e continuou fecundando-a.
A fecundidade imposta pelo marido e a tristeza pelo destino dos filhos fizeram com que Gaia sofresse e conspirasse contra Urano. Gaia queria os filhos vivos e os libertou às escondidas. O titã Crono, único que não se recusou a ajudá-la, lutou contra o pai com uma foice e o castrou.
Os genitais cortados de Urano caíram no mar. Da espuma que se criou nasceu Afrodite, deusa da Beleza e do Amor. Do sangue de Urano sobre a Terra nasceram as Melíades, as Erínias e os Gigantes. Como Urano era imortal, continou sobre Gaia. O Céu continuou cobrindo a Terra, mas sem tocá-la novamente.
Após destronar o pai, Crono tomou posse do reino, casou com a titânida Réia e teve com ela muitos filhos. Urano devolveu os filhos ao interior da Terra e Crono devorou os próprios filhos quando nasceram, temendo ser destronado por eles, como fez com seu pai. Réia também tentou salvar os filhos e, como Gaia, teve um filho salvador, Zeus.
Um das lendas diz que Réia foi ajudada por Gaia e teve Zeus na ilha de Creta. Réia enganou Crono e ofereceu a ele uma pedra no lugar do filho. Quando cresceu, Zeus deu a Crono uma bebida mágica e ele vomitou os filhos engolidos.
Houve uma guerra contra Crono chamada Titanomaquia. Os irmãos de Zeus forjaram armas e outros utensílios mágicos que ajudaram na derrota de Crono. Na divisão do reino, cada irmão obteve seu domínio: o mar para Poseidon, o mundo subterrâneo para Hades, o céu para Zeus.
Zeus uniu-se a várias deusas e mortais e teve como filhos grandes heróis como Hércules. Como o filho sempre sucede ao pai, Zeus também tentou se livrar da maldição familiar. Temendo que algum filho viesse a destroná-lo, devorou Métis enquanto estava grávida. Atena nasceu da cabeça de Zeus e acabaram os devoramentos.
Como senhor do mundo, Zeus aprisionou as criaturas, deixando Gaia insatisfeita em ver os filhos novamente confinados. Os Gigantes lutaram contra Zeus na Gigantomaquia. A filha Atena também estava ao seu lado. Zeus consolidou seu poder ao ganhar mais uma guerra. Após as lutas que reorganizaram o Universo, coube a Zeus trazer ordem para o mundo não só dos deuses, mas também dos homens criados por Prometeu.
As gerações dos pais Urano, Crono e Zeus simbolizam as etapas que a humanidade vivenciou no princípio do mundo. Os seres gerados por Gaia e Urano representam as mudanças na formação inicial do planeta. Urano e Gaia fecundaram e preencheram o vazio do Cosmos, que já tinha sido Caos. Urano tentou se livrar dos filhos, que ainda era forças selvagens. A fecundação excessiva foi uma desordem; o Céu e a Terra se separaram e o reino seguinte, de Crono, organizou o tempo.
O tempo consome tudo e também envelhece, pede renovação, evolui, muda. E a lei dos ciclos trouxe a era e a ordem de Zeus, que não quis dar o fogo do conhecimento aos homens de Prometeu, mas essa é outra história.
Na sociedade atual temos vários arquétipos de pai. Um dos mais marcantes é o do pai autoritário. A castração do filho impede que ele tenha mais poder que o pai; a castração do pai faz com que o filho queira tomar o poder.
A repressão e a competição masculina têm gerado ao longo do tempo complexos paternos que nos fazem refletir por que o velho tem medo do novo; por que os pais autoritários e devoradores têm medo de perder o controle; por que castram, reprimem e maltratam os próprios filhos.
Todo pai deveria saber que o lugar que ocupa é temporário, que o filho é seu sucessor, como ele foi do seu pai. O novo sucede o velho na ordem do mundo.
Que as novas gerações desse novo século tragam pais fortes, mas que confiem na sua capacidade geradora. Que reconheçam a energia e o talento da juventude e que valorizem seus filhos.
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