Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em cultura clássica.

Mito em contexto - Coluna 13
(Próxima: 20/11)

Hades e o reino dos mortos

Na divisão do reino de Crono, cada irmão obteve um domínio: o mar para Poseidon, o céu para Zeus e o mundo subterrâneo para Hades, a morada final dos mortos. O reino de Hades aparece em lendas como o rapto de Perséfone, os doze trabalhos de Hércules e os castigos eternos de transgressores das leis divinas, como Sísifo e Íxion.

Hades reinou com Perséfone, que foi raptada pelo deus. Após o desaparecimento da filha, Deméter deixou a terra estéril quando parou de realizar suas atividades como deusa da agricultura. Para não alterar a ordem do mundo, Zeus negociou com Hades. Perséfone comeu uma romã e estava ligada ao Hades, mas foi liberada para passar uma parte do ano com a mãe e outra parte ao lado do marido. Esse mito ilustrava o ciclo das estações.

Perséfone foi levada pelo deus, mas nenhum ser vivo podia entrar no Hades, entretanto, alguns conseguiram, como Enéias, Orfeu e Hércules. Os heróis tinham em seu “currículo” um rito iniciático de descida ao Hades, ou catábase , como uma morte simbólica – em que a subida, ou anábase, possibilitava o autoconhecimento. Homero narrou na Odisséia a descida de Ulisses, orientado pela feiticeira Circe a consultar Tirésias sobre o caminho para Ítaca. Após sacrifícios rituais, o eídolon do adivinho veio à tona e conversou com Ulisses.

Mesmo morto, não era fácil chegar ao Hades. O deus Hermes conduzia a alma até a margem do rio e a travessia era feita pelo barqueiro Caronte, que recebia como pagamento um óbolo colocado na boca do sepultado. Sem a pequena moeda, a alma vivia penando. O próximo passo era ultrapassar a entrada guardada pelo cão de três cabeças, Cérbero. Se ele permitisse a entrada de alguém, com certeza não permitiria a saída.

Quando chegava diante de Perséfone e Hades, o morto ouvia a sentença dos juízes e era encaminhado, de acordo com seus atos, para o tormento ou o paraíso. Algumas histórias dividem o Hades em regiões como Tártaro, parte mais profunda e lugar dos tormentos; Érebo, parte medial; e Campos Elísios, espécie de paraíso, como o Céu dos cristãos.

No inferno cristão ou no Tártaro grego, há que sofrer o mal cometido. As Danaides eram quarenta e nove das cinqüenta filhas do rei Dânao, que mataram os maridos na noite de núpcias. Sua punição era encher um vaso com furos, que nunca permanecia cheio. Íxion foi castigado com a roda que girava sem parar. Tântalo vivia mergulhado em água até o pescoço e embaixo de uma árvore frutífera, mas não conseguia beber ou comer.

Sísifo um dia conseguiu algemar Tânatos, que representava a morte, e passou um tempo sem morrer ninguém. Zeus libertou Tânatos e castigou Sísifo, que antes de morrer orientou sua esposa para não fazer as honras fúnebres. No Hades, pediu para voltar e repreender a esposa, pois pretendia ficar mais tempo vivo, enganando a morte novamente. Dessa vez o castigo seria eterno, carregando a pedra que rolava novamente quando chegava ao topo.

Asclépio, filho de Apolo, o famoso médico que passou a ressuscitar os mortos, quase deixou também o Hades vazio. Foi castigado, mas não eternamente.

Orfeu perdeu sua amada Eurídice e desceu ao Hades tentando recuperá-la. O músico encantou o barqueiro, Cérbero, Perséfone e Hades, que atendeu seu desejo. Eurídice podia voltar ao mundo dos vivos se Orfeu não a olhasse até alcançar a luz do sol, mas ele se virou e a perdeu para sempre. Entristecido, Orfeu não olhou mais para nenhuma mulher. As mênades, desprezadas, o despedaçaram.

Orfeu foi associado a um culto de mistérios que pregava a reencarnação e a origem divina da alma. Ele teria feito revelações aos iniciados sobre os mistérios da morte, que aprendeu na descida ao Hades. Os iniciados órficos depositavam nos túmulos fragmentos de mensagens, como uma espécie de bússola que guiava a alma no Hades.

Em todas as culturas, a morte já teve muitas interpretações e ritos, muitas vezes ligados às crenças religiosas. Para os que acreditam na sobrevivência do espírito, o rito fúnebre pode ser uma preparação para outra vida. Algumas religiões crêem no julgamento das ações do indivíduo após a morte. O que se realizou em vida pode se converter em inferno ou paraíso.

Inferno e paraíso também apresentam características próprias de acordo com a época de sua concepção. Em muitas crenças, a morte não é o fim da vida, mas uma passagem para outra vida, a vida eterna ou um aprendizado para uma volta mais consciente . Há doutrinas que crêem na reencarnação como fenômeno natural para o aperfeiçoamento dos espíritos. O Espiritismo designa o movimento espiritualista em geral, no que diz respeito às crenças da comunicação com os mortos e de que o espírito sobrevive à morte do corpo.

Ainda celebramos os espíritos das pessoas que morrem, como o Dia de Finados católico no mês de novembro. Nessa época, há outras comemorações relacionadas com as crenças sobre a morte, como o Dia de Todos os Santos e o Halloween . A comemoração original do Halloween era realizada pelos antigos celtas. Eles faziam cerimônias com o intuito de iluminar os caminhos dos mortos. As festas consideradas pagãs foram substituídas com o passar dos séculos, mas ainda vamos aos cemitérios chorar pelos entes queridos e rezamos missa, entre outros rituais.

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