EPHEMERDAS, por GLAUCO MATTOSO

GLAUCO MATTOSO é poeta, auctor de mais de cinco mil sonnettos. Actualmente não compõe mais nesse molde, mas ainda practica outras estrophações.
Para informações sobre a orthographia que adopta, suggere-se accessar:

http://correctororthographico.blogspot.com.br

Coluna 11

JULHO/2015:

MONSTROS SAGRADOS E MESTRES DESSACRALIZADOS

Poucos mezes attraz, o appresentador do programma nocturno da radio Estadão (si não me enganno, o proprio Emmanuel Bomfim, optimo como sempre em seu personalissimo estylo "queixo cahido") entrevistava um fan do Michael Jackson, de cujo nome não me lembro, nem do motivo da entrevista. Mas o cara parescia saber tudo da vida do Michael, pois resaltou inclusive o vanguardismo dos videoclips produzidos para as faixas do album THRILLER, impeccaveis exemplos da arte a serviço do showbiz. A certa altura, o entrevistado confessou que, si o Michael acconselhasse seus fans a puxar fumo, elle seria o primeiro a admittir o uso da maconha, fiel seguidor que era. Fiquei ouvindo, interessado e curioso pelo que viria a seguir, mas, quando o cara tentou explicar por que o Michael era "superior" a Stevie Wonder, não pude deixar de rir. Pensei commigo: a unica vantagem do Jackson sobre o Wonder é que um sabia dansar e outro não pode. No mais, a comparação é descabida.

Michael Jackson não passa dum astro pop, um mytho midiatico. Suas canções, deschartado o appello choreographico, são automaticas e monotonas, ao contrario da consistencia e da variedade do repertorio de Stevie Wonder, este sim, um expoente do soul e de generos affins. Mal comparando, seria o mesmo que ouvir dum fan do Chubby Checker que seu idolo é melhor que Fats Domino, ou dum fan de Andy Kim que este supera Neil Diamond. Pessoalmente, ouço todos, mas não inverto as posições.

Mas fanatismo é isso mesmo. Qualquer argumento vale como pretexto para defender a "primazia" dum idolo sobre os idolos alheios. Detalhe: curto Stevie Wonder, mas elle não é meu maior idolo na praia da negritude sonora. Prefiro Wilson Pickett. Nenhum dos citados, aliaz, seria exactamente um idolo do rock. O proprio Elvis Presley, analysado friamente, tem pequena parcella de seu repertorio verdadeiramente ligada ao rock. Quanto aos Beatles, admitto: sou beatlemaniaco, mas isso nem é signal de fanatismo e sim mera attitude padrão, commum a todos que accompanharam attentamente a historia do rock, que começa cincoentista e termina oitentista. Fanatismo, propriamente dicto, é curtir bandas "discipulas" até mais que as matrizes, como os Raspberries, a Electric Light Orchestra, o Badfinger ou o Tomorrow em relação aos Beatles, ou mesmo as New York Dolls em relação aos Rolling Stones. Desnecessario lembrar que as torcidas de Stones e Beatles ja rivalizaram como corinthianos e sampaulinos.

Citar o Tomorrow vem a proposito, pois é a banda que melhor reflectiu osBeatles na phase psychodelica, ja que Raspberries ou Badfinger osreflectem nas phases mais palataveis ao consumidor commum dabeatlemania. E, em se tractando de psychodelismo, ha differenças basicas entre a eschola britannica e a americana, ja que, nesta, as duas bandas mais influentes foram os Byrds e o Jefferson Airplane, que deixaram innumeros grupos "discipulos", alguns incluidos nos historicos volumes da serie NUGGETS, tão bem revisitada pelos Ramones no album ACID EATERS. Eu sei, Ramones e Byrds pouco teem em commum, a não ser os ponctos de contacto entre hippies e punks quanto à contestação do "Systema", mas, como idéa puxa idéa, approveito para dizer que sou fanatico por ambas as bandas, cada uma em sua epocha.

Toda esta reflexão tem logar a pretexto do dia 13, mundialmente consagrado ao rock, genero que foi se desmembrando em tantos subgeneros tribaes que dá para entender o fundamentalismo quasi cego dum defensor do Stevie Wonder, do Ray Charles ou mesmo do José Feliciano... Conforme a preferencia do fan, 13 de julho pode ser anniversario dos Rolling Stones (1962), lançamento do album de estréa do Queen (1973) ou data do show "Live Aid" (1985).

Paro, portanto, com a digressão e pinço dois ganchos para os poemas aqui incluidos: a relativa affinidade entre hippies e punks e a sensibilidade dos sessentistas para resgatar as raizes, no caso o country rock pelos Byrds, como suggerem os versos "A little bit of courage, is all we lack. / So catch me if you can, I'm goin' back." da canção "Goin' back", faixa do album THE NOTORIOUS BYRD BROTHERS, que por signal nem foi composta por elles e sim por Carole King com seu parceiro Jerry Goffin. Fallando em raizes, finalizo sustentando uma these ja admittida nos meios musicologicos: a historia do rock accabou na decada de 1980, ou seja, teve começo, meio e fim. O resto é reprise e remake. Vamos aos poemas. Até a proxima, com outros devaneios viajantes!

                 SONNETTO DO DENOMINADOR COMMUM [1292]

                 Um punk e um hippie attritam p'ra ver qual
                 dos dois mais firme lucta e tem seu thema
                 mais rude e radical contra o Systema
                 que, em ambos, despertou odio mortal.

                 O hippie, pacifista e passional,
                 allega que em maré contraria rema
                 quem quer, a ferro e fogo, e com extrema
                 conducta, combatter tão vil rival.

                 O punk é mais directo: paz e amor
                 não vingam; "flower power" não floresce,
                 pois fazem sempre o jogo do oppressor.

                 Não chegam a consenso. Não esquece
                 nenhum dos dois, porem: diverge a cor,
                 mas contra o mesmo Deus se reza a prece.

                 SONNETTO DA PAZ E DO RANCOR [1396]

                 Sahidas, em politica, só duas:
                 a hippie e a punk. Apenas na primeira
                 reside o pacifismo, o amor, as nuas
                 verdades e vontades... Mas Zeus queira!

                 As coisas, na segunda, são mais cruas
                 e, assim como o rockão é mais pauleira,
                 tambem as reacções são, pelas ruas,
                 mais proprias à pedrada, que é certeira!

                 Em termos philosophicos, no plano
                 geral e humanitario, eu mais me irmano
                 aos hippies, pois em armas não confio...

                 Mas, quando o pessoal e o passional
                 mais alto fallam, sou ao punk egual
                 e adjudo a pôr na polvora o pavio...

                 MOTTES GLOSADOS

                 Corajoso é quem recua
                 e o passado recupera.

                 Teem tambem os Byrds a sua
                 posição quanto à vanguarda:
                 Quem advança se accovarda;
                 corajoso é quem recua.
                 Não ha moda que destrua
                 o que "classico" antes era.
                 Restaural-o não é mera
                 "tradição", nem "velharia".
                 Mais innova quem recria
                 e o passado recupera.

                 Dar ao rock um dia é tudo
                 que esse embalo não precisa.

                 Eu, que os generos estudo,
                 quattro decadas, só, dou
                 para a historia desse show.
                 Dar ao rock um dia? É tudo
                 formalismo! Fui sortudo,
                 pois vivi minha pesquisa
                 do começo ao fim e, à guisa
                 de resumo, apenas digo:
                 Nem escrevo extenso artigo,
                 que esse embalo não precisa.

                 Nos cincoenta foi dansante,
                 sobre amor adolescente.
                 Nos sessenta, descontente
                 da politica, durante
                 sua phase mais pensante,
                 foi lysergico. Anarchiza
                 nos septenta e tribaliza
                 nos oitenta. Agora, é mudo.
                 Dar ao rock um dia é tudo
                 que esse embalo não precisa.

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