Raquel Naveira

Escritora sul-mato-grossense, nasceu no dia 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Tem vários livros publicados: romance, poesia, crônicas e infantis.       

Coluna semanal de Raquel Naveira
Nº 15, 24/02/2015

SHANGRILÁ

 Recebo telefonema de minha filha: ”– Mãe, estou aqui no Uruguai, num lugar chamado Shangrilá. É um bosque calmo, úmido de orvalho. Lembra do seu vestido azul de cetim? Meu pai dizia que a senhora era uma fada de Shangrilá.”

Criação literária da mente genial do inglês James Hilton, no livro Horizonte Perdido, Shangrilá é descrito como um paraíso estranho, misterioso, situado nas montanhas do Himalaia. Em meio a uma paisagem deslumbrante, o tempo ali parecia não passar, tal o ambiente de harmonia entre as pessoas das mais diversas origens. Nesse universo da imaginação, nessa esfera mágica, diferente do restante do planeta, as pessoas não envelheciam. Exploradores e viajantes buscavam esse recanto de paz no meio da neve. Para alguns era o espaço onde gostariam de morar, para outros era uma realidade assustadora da qual desejariam fugir.

Assistimos ao filme inspirado nesse romance, direção de Charles Jarrott. O avião que cai durante uma tempestade de flocos brancos. Os sobreviventes que encontram um mundo paralelo de eterna juventude, contemplação e contentamento pleno. Mas muitos não estão preparados para entrar em contato com esse abrigo oculto, nem para exercitar a fraternidade de forma profunda, nem para abrir mão de suas ambições e egos.

Chocante a cena protagonizada pela atriz Olívia Hussey, no papel de Maria, quando ela resolve escapar de Shangrilá com o amado rebelde e, ao ultrapassar a barreira invisível, transforma-se primeiramente numa velha, numa múmia e depois num esqueleto que se pulveriza no choque das dimensões.

Na gaveta do armário, coloquei o vestido de festa de cetim azul com babados de tule. Era meu vestido de fada. E existem fadas? Claro. Não falo daquelas com asas de libélula, varinhas de condão e encantamentos. Nem das que descem das nuvens, que circulam pelas florestas ao redor dos picos das montanhas e muitas vezes grudam nas pedras em forma de salamandras. A verdadeira fada é, sobretudo, a encarnação da bondade. Bondade constante, dádiva que cria o amor. É sol que derrete o gelo do Himalaia. É reserva de luz, proteção e aconchego. Está ligada ao saber e à inteligência. É a capacidade de compartilhar o choro e a alegria. No meu lar, eu era uma fada de Shangrilá. Nunca mais serei feliz como fui quando éramos jovens e tínhamos os filhos pequenos e inocentes. Tudo tão doce e inesquecível, mas que também virou pó.

Fadas existem. E apesar das guerras, dos conflitos, das misérias, existe também um Éden sonhado, um mito, um tesouro preservado, um ideal de família, uma utopia perdida numa quadra da infância chamada Shangrilá. Esse lugar fica, segundo minha filha ao telefone, num ponto distante, orvalhado, no Uruguai.

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