Raquel Naveira

Escritora sul-mato-grossense, nasceu no dia 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Tem vários livros publicados: romance, poesia, crônicas e infantis.       

Coluna semanal de Raquel Naveira
Nº 34, 15/07/2015

FADAS

                 Amo os contos de fadas. A atmosfera de encantamento, as transformações provocadas pela magia do Bem. A personagem heróica sofrendo dramas, perseguições, conflitos, até que, no final, a virtude triunfa, o mal é castigado e o equilíbrio da maturidade se instaura.

                 As fadas são seres que fadam, isto é, orientam e modificam o destino das pessoas. Fada é um termo originado do latim “fatum”, que significa “destino”. Elas aparecem em momentos terríveis, quando as pessoas pensam que seu destino está tomado por uma tempestade da qual é impossível fugir. São representações dos sonhos e desejos mais profundos de nossa alma.

                 O poeta Camões, na sua longa meditação sobre os mistérios do amor e da existência, cantou como nenhum outro a súmula da tragédia humana espalhada pelo mundo, o peso do fatalismo. Chegou à conclusão de que não se pode lutar contra o Fado, nem mesmo com o desespero. Sua mente se debateu num mar de paradoxos, como o descrito nos versos “Amor é um fogo que arde sem se ver/ É ferida que dói e não se sente”. Não houve varinha de condão, nem voo de cisne, nem anel de ágata, que o ajudassem no cárcere, no exílio, na penúria, na doença, no beco sem saída da miséria em que mergulhou, pobre poeta do Fado.

                 Shakespeare amava as fadas, as moiras, as valquírias. Aquelas que puxam o fio do destino, enrolam-no na roca de fiar e o cortam com suas tesouras. As fadas que aparecem na luminosidade do luar, no meio dos bosques. Foi assim que escreveu a peça teatral cômica “Sonho de uma Noite de Verão”. Quatro amantes entram na floresta povoada por elfos, fadas e duendes. Titânia é a rainha das fadas. Por causa do poder de uma flor mágica, apaixona-se por um burro. Ação, movimentação, encontros, desencontros, pontos ridículos, rupturas de imposições patriarcais, equívocos sociais. Tudo se resolve com os casamentos, mas fica exposto o lado escuro da paixão, feito de trevas, sortilégios e dificuldades.

                 Na Inglaterra, em 1917, duas garotas, as primas Elsie, de dezesseis anos e Frances, de dez, afirmaram que conversavam com as fadas do jardim de sua mansão. Comprovaram com fotografias das fadas. Foi um verdadeiro rebuliço, um tumulto na cidadezinha. A história atraiu a atenção do escritor Arthur Conan Doyle, o criador do célebre detetive Sherlock Holmes, que acreditou piamente nessa versão fantasiosa. A fraude só foi desmascarada meio século depois, quando elas, já idosas, confessaram que as fotos eram montagens, desenhos feitos por Elsie, recortados e presos com alfinetes. Uma travessura de crianças que enganaram todos os que queriam ser enganados. Mas elas declararam que, de fato, viram fadas e que tinham por legítimo o direito à imaginação.

                 Na infância, contemplamos fadas. Lindo o texto de Marosa Di Giorgio, poeta uruguaia, traduzido por Lélia Maria Romero, que diz assim: “Minha mãe quebrou a relação com as fadas. No entanto elas entravam douradíssimas e leves a sentar-se no sofá. No meio da testa e da cintura, o ramo de cravíneas que é o sinal destes seres. Mamãe disse: _ Acabou o reino das fadas. E se foi pela casa. E eu implorei: _Não, não; fiquem! Eu sou a dona da casa; sou a Menina. (...) As fadas se foram, seus vestidos diluindo no vento. E nos olhos violetas, gravado o porvir.”

                 Eu fui menina. Andei com desenvoltura pelo reino das fadas. Elas caminhavam envoltas em perfume de maçãs e baunilha, sempre em trio. Chamavam-se Fé, Esperança e Caridade. Fauna, Flora e Fonte. Força, Inteligência e Bondade.

                 Amo os contos de fadas. Creio num poder sobrenatural que muda situações contrárias. Essa é minha têmpera de fada.

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