Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em cultura clássica.

Mito em contexto - Coluna 14
(Próxima: 5/12)

Quíron, o centauro imortal

Crono uniu-se à ninfa Fílira na forma de cavalo. Dessa união nasceu Quíron, o primeiro centauro. Os centauros tinham tronco e cabeça de homem e o restante do corpo de cavalo. Não eram imortais, porém, por ser filho de um deus, Quíron era imortal.

Os centauros não eram maus, mas muitos tinham fama de violentos, como mostra o episódio que conta seu lado animalesco, a batalha com os lápitas no casamento de Hipodâmia e Pirito. Na festa, um dos centauros estava bêbado e tentou violentar a noiva. Outros centauros tentaram fazer o mesmo e a festa virou uma bagunça, com vários centauros mortos. Nem todos os centauros eram grosseiros, como sabemos pelo exemplo de Quíron.

Abandonado pelos pais, Quíron teve o deus Apolo como o mentor que lhe transmitiu conhecimentos, por isso ficou conhecido também como mestre na arte da medicina. Quíron vivia em uma gruta, que transformou em escola onde educou muitos heróis nos ritos iniciáticos. Vários foram os educadores dos heróis, mas o educador modelo foi Quíron.

Antes de começar seu percurso de aventuras, o herói devia receber a educação específica que lhe garantia a participação na vida sociopolítica e religiosa da pólis . A educação também transmitia a força espiritual para enfrentar as provas. Assim, Jasão, antes de vencer as provas na Cólquida, foi entregue a Quíron. Entre alguns discípulos famosos estavam Peleu, Aquiles, Nestor e os gêmeos Castor e Pólux.

Quíron ensinava caça, equitação e música, entre outras práticas. Educou Aquiles nas disputas atléticas e Asclépio na arte divinatória, a Mântica. Tendo aprendido a arte de curar, Asclépio, filho de Apolo, ultrapassou os limites da medicina e ressuscitou mortos. Zeus o fulminou com um raio por tal ousadia, pois a ordem natural da vida e da morte não podia ser alterada. Mas o mérito de Asclépio foi reconhecido e ele foi imortalizado.

Quíron também foi imortalizado, mas antes sofreu muito. Ele foi atingido acidentalmente pelo herói Hércules na briga com os Centauros. A flecha que o acertou continha veneno da Hidra de Lerna, o que provocou um ferimento incurável, mas nem morrer Quíron conseguiu, pois era imortal. Ao tentar aliviar sua própria dor, adquiriu maior poder de curar. Por ser um médico ferido, entendia bem a dor e cuidava dos pacientes como nenhum outro médico.

Quíron encontrou a maneira de curar sua dor trocando a imortalidade com Prometeu, que sofria um castigo imposto por Zeus após roubar o fogo do conhecimento para dar aos homens. Prometeu recuperou sua imortalidade e Quíron finalmente descansou na constelação de sagitário, onde sua memória foi imortalizada com o arco e a flecha. A palavra sagitta , flecha em latim, sugere aquele que aponta a flecha para um alvo que pretende alcançar, sair do estado animal para o espiritual e Quíron o conseguiu realizando o auto-sacrifício.

Metade homem, metade cavalo, Quíron simboliza o conflito entre corpo e mente, razão e instinto. Sua representação tem uma parte inferior e outra superior; ao mesmo tempo em que é animal, é humano. As patas estão no chão e a flecha aponta para o alto, na busca da transcendência.

O que diferenciou Quíron dos demais centauros foi o uso que fez do conhecimento e não sua animalidade. A lição que nos deixou foi a de nos aplicarmos a desenvolver nossas melhores qualidades, mesmo que isso implique renúncia, dor e perda.

Arquivos anteriores:
01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13

« Voltar