Raquel Naveira

Escritora sul-mato-grossense, nasceu no dia 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Tem vários livros publicados: romance, poesia, crônicas e infantis.       

Coluna semanal de Raquel Naveira
Nº 16, 4/03/2015

RAQUEL

            Gosto do nome que me deram: Raquel . Nome hebraico, que significa “ovelha”. Com tudo o que a ovelha carrega de mansidão, caráter pacífico e uma certa estultice e teimosia.

            Sou mesmo ovelha que segue o pastor. O meu pastor tem olhos úmidos como o lago onde me leva a beber. Toca flauta, enquanto o sol cai como uma nota de fogo no horizonte. Cuida de mim e não faltam chuvas nem planícies verdejantes. Se um dia eu me perder, justamente eu, a ovelha que mais o observa, que segue o ranger de suas sandálias, que ouve a batida de seu cajado, se eu me perder nessa cidade que engole e emaranha, se minha pele sangrar nos espinhos, ele virá de longe me salvar, passar unguento em meu corpo, colocar-me nos seus ombros e me levar para um lugar que eu ainda não vejo. Sei que meu pastor me ama e me chama sempre para o seu redil: _ Raquel, Raquel.

            Segundo a Bíblia, Raquel era linda. Jacó, apaixonado, serviu sete anos ao pai da bela, Labão, em troca da promessa de se casar com ela. No dia do casamento, Labão, esperto, ofereceu-lhe Lia, sua filha mais velha, o rosto totalmente coberto por um véu. Consumado o casamento, vendo que se enganara, Jacó serve mais sete anos até poder se casar com Raquel. O poeta Camões coloca na boca de Jacó esta declaração incrível: “_ Mais servira, se não fora para tão longo amor, tão curta a vida.”

            Uma amiga chamada Lia me segredou: “_ Não gosto de ouvir esse soneto, sinto-me a rejeitada.” Sorri, mas dentro de mim me senti Raquel, rosa amorosa.

            Raquel torna-se a favorita de Jacó, que só deseja ficar ao lado dela em seu tempo livre, viver intensamente aquele amor e raramente visita a tenda de Lia. Mas, enquanto Lia dá à luz vários filhos, Raquel, estéril, não pôde conceber por muitos anos. Chegou a oferecer, como era de costume na época, sua escrava Bila a Jacó, que com ela teve dois filhos. Finalmente, Raquel gerou José. Depois de algum tempo, engravidou de Benjamim e morreu em seu parto. Em meio às dores da agonia deu ao filho o nome de Benoni, “filho da minha dor”, mas Jacó chamou-lhe Benjamim, “filho da felicidade”. Os judeus dão importância ao significado dos nomes. Raquel foi enterrada numa estrada próxima a Belém e sua tumba é visitada por milhares de pessoas.

            Um outro poeta português, o romântico João de Deus, também escreveu um poema intitulado “Rachel”, com “ch”, variante da grafia de Raquel. É uma homenagem a uma amiga querida de quem ele se diz irmão. Chama-a de “lírio esquecido”, “botão de rosa murcha à luz da aurora”, “pombinha”. Rachel, que cuidava com zelo de sua mãe, falece subitamente. A mãe morre logo em seguida. Impressionado com essas duas mortes, escreve o poeta: “Vejo-as ainda ir com as mãos incertas guiando-se uma à outra à sepultura, e a mãe: “Rachel! Rachel!” Nossa, muito triste, mas quem quer conhecer beleza tem que passar pela casa da dor, da melancolia.

            Ovelha, história bíblica, musa de poetas. Gosto do nome que me deram: Raquel. E você, gosta de seu nome?

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