Mito em contexto - Coluna 15
(Próxima: 20/12)
O deus Pã
Pã não era um deus bonito, seu corpo era uma mistura de bode com homem, além dos chifres. Uma das lendas de seu nascimento dizia que sua mãe Dríope teria ficado assustada ao vê-lo e o abandonou. Outra lenda diz que ele era filho de Hermes, que o levou para o Olimpo, onde era muito querido por ser alegre e festivo.
Sua aparência era motivo de susto entre os que passavam pelas florestas, gerando pânico (nome derivado de Pã) quando aparecia repentinamente para as pessoas. Na luta dos deuses contra o monstro Tifão, Pã foi de grande ajuda, assustando-o com os gritos que causavam pânico .
Pã também era protetor dos campos, pastores e rebanhos. Ele se divertia cantando e dançando com as ninfas, principalmente no cortejo do deus Dioniso. Pã foi considerado como personificação da natureza e representante do paganismo.
Pã teve uma aventura com a ninfa Sirinx, seguidora da virgem Ártemis. A ninfa fugiu de Pã e pediu ao deus das águas do rio que a transformasse em algo que impedisse a violação. Quando a alcançou, Pã abraçou um feixe de juncos. Suspirando, percebeu o som que a haste da planta emitia. Uniu sete tubos e criou o instrumento que seria reconhecido como “flauta de Pã”. Sobre esse episódio, um trecho do poeta Keats: “ E nos contou como, em um dia Sirinx/ De Pã fugiu, temendo, apavorada./ Desventurada ninfa! Pobre Pã!/ Como chorou, ao ver que conquistara/ Da brisa apenas um suspiro doce! ”
Certa vez Pã desafiou Apolo, deus da lira, para um torneio de flauta. O rei Midas, árbitro da disputa, decretou Pã como vitorioso. Apolo não gostou do resultado e transformou as orelhas de Midas iguais às orelhas de um burro. A história de Midas é muito contada, desde quando desejou que tudo o que tocasse virasse ouro, até passar fome, quando abriu mão da riqueza e passou a cultuar Pã. Outras histórias engraçadas contam como fazia para esconder o segredo de suas orelhas.
Uma tradição cristã diz que quando o anjo anunciou o nascimento de cristo, um gemido anunciou a morte de Pã. É uma história simbólica que fala sobre o fim da era pagã e início do Cristianismo. Vários poetas cantaram esse tema, como Manuel Bandeira no soneto “A morte de Pã”: “ Quando aquele que o beijo infiel traíra no Horto,/ Desfaleceu na cruz, das montanhas ao mar/ Gemeu, com grande pranto e feio soluçar,/ Uma voz que dizia: — “ O Grande Pã é morto! ”
Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, escreveu odes alegres com referências mitológicas. Em algumas, convidou pastoras como Lídia para o desfrutar dos prazeres e da contemplação da natureza: “ A flauta calma de Pã, descendo/ Seu tom agudo no ar pausado,/ Deu mais tristezas ao moribundo/ Dia suave. ”
Outro trecho diz: “ As ninfas não sossegam Na sua dança eterna. / E como as heniadríades constantes/ Murmuram pelos rumos das florestas / E atrasam o deus Pã. Na atenção à sua flauta. ”
O Arcadismo, estilo de época da literatura brasileira do século XVIII, faz alusão à região grega chamada Arcádia, dominada pelo deus Pã e habitada por pastores. A vida bucólica foi considerada ideal para os neoclassicistas, que adotaram nomes de pastores como pseudônimo. Tomás Antônio Gonzaga compôs liras para Marília, enquanto seu eu-lírico, o pastor Dirceu, a convidava para uma vida amena no campo: “ Enquanto pasta alegre o manso gado,/ minha bela Marília, nos sentemos/ à sombra deste cedro levantado. ”
Uma coletânea de poemas atribuídos a Homero traz hinos dedicados a várias divindades, um deles foi dedicado a Pã. Os hinos eram recitados em ocasiões religiosas e invocavam o deus que era celebrado no festival. O Hino a Pã fala sobre suas qualidades de guardião dos campos e pastores.
Pã recebeu a principal homenagem de Zeus, que o transformou na constelação de Capricórnio, por sua ajuda na batalha contra o monstro Tifão e por ter levado diversão à morada dos deuses. Há outra versão que mostra o capricórnio como a cabra Amaltéia, que alimentou Zeus quando ele se escondeu para Crono não devorá-lo.
Contrariando os prenúncios de que Pã morreu, mais versos de Ricardo Reis: “ O Deus Pã não morreu / Cada campo que mostra/ Aos sorrisos de Apolo/ Os peitos nus de Ceres—/ Cedo ou tarde vereis/ por lá aparecer/ O deus Pã, o imortal .”
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