Christina M. Herrmann  

Christina M. Herrmann é poeta, webdesigner. Carioca, vive atualmente na Alemanha. Comunidades no orkut: "Café Filosófico das Quatro", "Sociedade dos Pássaros-Poetas" ambas de entrevista e "Orkultural" em parceria com Blocos Online.
Endereço do Blog, reunindo todos os seus sites e comunidades: http://chrisherrmann.blogspot.com

Coluna 44 - 2 ª quinzena de junho
próxima coluna: 8/7

CRÔNICAS & CONTOS

Nesta edição, trazemos textos de Isiara Caruso, Evelyne Furtado, Stelamaris e Flavina Maria Braga Silva, postados na comunidade Café Filosófico Das Quatro, no tópico Artigos e Crônicas de sua autoria, bem como uma crônica da nossa colaboradora assídua, a Profª Solange Firmino.

Até a próxima quinzena, amigos!

* * *

O Inverno e a renovação

Solange Firmino

Muitas analogias são feitas entre as estações do ano e a vida humana: a primavera é fértil como a juventude. O verão é vigoroso como a mocidade. O outono é a fase madura, quando não somos jovens, mas ainda não somos idosos. Quando o vigor acaba, é o inverno.

Se a analogia é verdadeira, também não morremos. A natureza descansa no inverno dos rigores das estações, e nós descansamos com a morte do corpo físico. Renascemos na primavera da vida, revigorados em um novo corpo. Esse é o princípio da reencarnação, para quem acredita.

Os antigos sempre celebraram os ciclos da natureza. O mito de Perséfone, filha da deusa das colheitas Deméter, explica a alternância das estações do ano. Perséfone colhia flores quando foi raptada pelo deus do reino inferior, Hades. A tristeza da mãe murchou flores e secou frutos. Zeus tentou resolver a situação, mas Perséfone estava ligada ao reino infernal, comeu romã, a fruta que prendia a pessoa ao Hades.

Seu marido então concordou em deixar que Perséfone ficasse uns meses com a mãe e uns meses com ele. Assim surgiram as estações do ano. A terra é fértil na primavera e no verão, quando Deméter está com a filha. Quando Perséfone volta para o marido, é tempo de inverno e outono.

Deméter e Perséfone foram cultuadas nos mistérios de Elêusis. Os adeptos agradeciam a fecundidade da terra e as colheitas em rituais secretos. Na Primavera e no verão acontecem as colheitas. No outono e no inverno, pouco se colhe, a terra é preparada para as próximas estações. Esse equilíbrio sempre traz a certeza de que a Primavera voltará.

Embora o clima tropical não nos permita sentir uma diferença radical do clima nos dias de inverno, a natureza segue sua ciclicidade. O sol se recolhe mais cedo e aparece pouco. A terra se prepara nesse recolhimento. As energias da natureza estão voltadas para dentro, esperando o momento certo de florescer, nos ensinando que há o momento de reflexão sobre nosso interior também, quando podemos digerir idéias antigas e plantar idéias novas.

Aproveito a ocasião para desejar um ótimo momento de renovação para a aniversariante Chris Herrmann, que nasceu no inverno tropical, embora há anos esteja comemorando o aniversário em outra estação na Europa. Chris, receba meu carinho.

***


Que tempo esse...

Isiara Caruso

Não sei bem porque de repente me encontrei pensando sobre estas coisas de tempo e de fatos. Talvez porque pela manhã o locutor da rádio disse um poema que falava de pais e filhos e desta coisa de estar e não estar presente um na vida do outro. Fazia, o poema uma relação entre o jogo de esconde...esconde que se brinca quando se é criança, um fica com o rosto escondido sob os braços, elevados sobre a cabeça e de encontro à parede e vai contando. E assim os outros vão se escondendo esperando não serem encontrados.

Essa idéia me fez viajar à um passado, para mim não muito remoto, mas ao mesmo tempo tão distante como os trinta e três anos de meu filho mais velho, que em um destes jogos saiu de meu ângulo de visão e quando grito:...já estou indo...quente ou frio? Ficou apenas um grande vazio de onde ecoavam vozes que aos poucos foram mudando de timbre e de assuntos... de fazeres e de afazeres.

Agora, quando busco por eles, meus filhos, meus horizontes se nublam e os vejo na mesma posição aquela de contar para que outros se escondam. Agora eu consigo mirar e ad-mirar este jogo que de certa forma fazem todos os seres humanos e creio que até hoje não encontraram a resposta para esta forma de vida, somente um grande vazio ao final. E um eco que repete e repete sem poder dizer nada de novo. E do ribombar dos trovões (naquelas nuvens) se lançam centelhas elétricas aos ares e aos corações, resta apenas gotas de uma chuva que não cai dos céus, mas que tece véus nos olhos que tentam reviver o passado.

Quando crescemos queremos formar uma família. Esta família passa a consumir o nosso tempo e nos perdemos dela, que vai crescendo e se multiplicando em tantas outras onde o mesmo volta a acontecer. Cada um vive no seu próprio mundo, enredado em seus próprios pensamentos, crendo que está fazendo tudo da melhor maneira possível para ser e fazer outros felizes e sequer escuta o que os demais dizem ou tentam dizer, sequer ouve-se a si mesmo. Fala no vazio.

Creio que as relações e a vida deveriam encontrar o fio desta meada que se desenrola e se enche de nós ao longo do tempo e ao longo da história das famílias que vivem um não sei que de relações, onde nem sempre se ouve e se vê o outro que está ao nosso lado. Quase sempre vemos apenas a nós mesmos e nossos fantasmas que vão e voltam enquanto contamos para que nossos pequenos desapareçam de nossa vista e se tornem como nós mesmos, adultos que se perdem no emaranhado do tempo.

Seres racionais que irracionalmente tentam viver um mundo onde a emoção do outro geralmente nos causa dano, nos magoa e onde a nossa faz o mesmo com os demais.

Aí nos damos conta que já é sexta-feira e parece que ontem foi domingo e deveríamos ter ido visitar aos nossos pais, ou aos nossos netos, ou aos nossos filhos...mas tínhamos que fazer algo.

O que era mesmo?

Não lembramos mais e já se passou uma outra semana, um outro mês, um outro ano. E baixamos os braços, abrimos os olhos e gritamos:...já estou indo....

Mas aí já é muito tarde. Talvez nossos pais já se tenham ido, ou nossos filhos partido em busca de algo mais para que seus filhos vivam melhor...e...bem, começa tudo outra vez. Lá estão eles de olhos fechados contando...um, dois, três...

Que tempo é esse tão atemporal que nos faz perder-nos da vida e seus encantos?


***


Sartre, Simone e o Pacto

Evelyne Furtado

A escritora americana Hazle Rowley, existencialista e admiradora de Simone de Beauvoir, revela a pouco ortodoxa vida amorosa do casal Sartre e Simone de Beauvoir, em seu livro Tête-à-Tête.

"A partir de agora, eu tomo conta de você", disse Jean-Paul para Simone, quando se encontraram na juventude, em 1929, na Escola Normal em Paris. Começava então uma história de amor nada convencional, que perdurou até a morte de Sartre em 1980.
O homem fisicamente insignificante uniu-se à jovem elegante e atraente. Fundaram um pacto baseado na independência e na honestidade total entre os dois. Seriam livres para se relacionarem com outras pessoas, mas não esconderiam nada um ao outro.
Inaugurando uma nova maneira de amar, construiriam um escudo para protegerem o laço entre eles, firmando uma cumplicidade inegável onde não haveria traição, pois tudo seria compartilhado. Acredito que parecesse, aos dois, ser aquela a maneira ideal de amar sem sofrer. Seriam leais, parceiros, amigos e amantes. Ele a chamava ternamente de Castor; ela o idolatrava.

Na leitura de Tête-à-Tête, percebo que, se a parceria vingou ao longo do tempo e refletiu na obra do casal existencialista, também fugiu à moral e à ética quanto aos demais envolvidos, além de ter sido absolutamente frustrante quanto a evitar a dor.
Simone de Beauvoir, uma mulher brilhante, permitiu-se ver a vida através dos olhos do amante. Submeteu-se ao estilo de vida do "gênio sem superego" e sem muita preocupação com os sentimentos alheios.

Sartre aparece na intimidade como um sujeito de baixa auto-estima, que usava a conquista de mulheres atraentes para superar seus parcos atrativos físicos. Simone era sua isca para atraí-las: uma ousadia para época, um escândalo ainda hoje.
O ciúme, sentimento desprezado pelo filósofo, não estava ausente da rede de relacionamentos criada pelos dois parceiros. A mentira também não. A dor e o remorso eram freqüentes. A biógrafa relata a freqüente ansiedade, as angústias e as crises de prantos de Beauvoir. A escritora sofria por amor, ou "por amores". A incompletude da relação com Jean-Paul levava-a a outros braços, que tampouco satisfaziam seus anseios, pois ela não se dava por inteiro a outra pessoa.

A autora do Segundo Sexo reprimia seus sentimentos, considerados menores por Sartre, mesmo que as confissões deste em relação às outras mulheres a deixassem insegura e a arrasasse emocionalmente. Talvez o pacto firmado na juventude tenha possibilitado a permanência daquela relação livre das amarras burguesas. Não havia casamento, não havia filhos, sequer viveram juntos.

Contudo, o relacionamento reproduzia o modelo burguês quanto à superioridade masculina no relacionamento. Sartre agia; Simone reagia. Ela se dedicava totalmente a ele. Ele se dividia entre várias, mesmo tendo-a como a preferida. Sem julgamento
moral, constatei com pesar a insatisfação afetiva crônica de Simone de Beauvoir, assim como lastimei uma certa pequenez no caráter de Sartre, apesar de seus atos de generosidade e coragem cívica. Ao mesmo tempo, reflito sobre a condição humana que iguala os gênios às pessoas comuns a despeito de todo os esforços para os distinguirem.

A dor vivida por Simone é a mesma dor vivenciada por todas as mulheres não amadas por seus homens, como gostariam de ser. O sofrimento interior de Jean-Paul é tal qual ao do homem médio que se sente infeliz intimamente. Em essência somos todos iguais, existencialistas ou não.

***

Temporão

Stelamaris
(Laba Rouge)

Gostava de ficar sentada no tronco da mangueira lembrando coisas boas que tinham acontecido naquela semana, e das coisas mais antigas, dos anos passados, o nascimento das crianças, de como conhecera Jorge nos quinze anos de Zélia, do casamento que por pouco não saía. Era sempre um lugar sagrado aquele, ali ruminava idéias, fazia planos, chorava a saudade de Mariana que se fora tão cedo e ria-se sozinha das astúcias que sua imaginação feminina criava.

Quantas vezes traíra Jorge, só em pensamento, com os artistas da televisão, com os homens bonitos que por dias visitavam a família na cidade. Lembrou de quando Miguel, irmão de Guacira, voltou para Santa Maria, tinha sofrido uma desilusão amorosa no Rio de Janeiro e veio buscar o apoio da família. Foi o homem mais bonito que já vira de perto. Paixão tão fulminante que quase a fez desistir de Jorge e dos meninos, bastava um olhar, um pedido... Um segurar de mãos. Mas nada disso, o máximo que Miguel fez foi apertar-lhe a mão de muito prazer que sentiu como um beijo.

Quando ele partiu, ainda se recorda, correu pra beira do riacho e chorou como adolescente. Ria-se agora, de si mesma. Jorge nesse tempo tinha sido despedido da padaria e trabalhava de biscate como pedreiro e, quando chegava em casa ficava me olhando como se quisesse entender. Quando vinha querendo namorar eu sempre arranjava uma desculpa, era como se traísse aquele amor partido, que fora só meu. Cheguei a olhar meu marido com raiva, e em momentos o achava culpado da minha desdita. Se não tivesse casado, parido os meninos... se tivesse tido coragem.

É, Deus sabe das coisas, que logo depois, parece até que como castigo, Paulinho meu caçula, quase morre de um tombo da escada na casa de seu Nestor. Foram momentos difíceis, Jorge sempre do meu lado, me ajudava a cuidar do pequeno sempre com um olhar de carinho e força.

Pode até ser mesmo pecado, mas aproveitei a situação para chorar um pouco mais a saudade de Miguel, arrumei uma desculpa no acidente de Paulinho até para que Jorge me deixasse um pouco em paz. Meses depois o menino já estava correndo pra lá e pra cá e eu seguia a vida. Quem viu Paulinho depois da queda, hoje comenta que não sabe como o moleque sobreviveu. Eu olho pra ele, agora com quinze anos, forte e esperto como o pai, e disso não discordo. Hoje aqui sentada sinto a agitação me tomar forte. Quando Jorge chegar não sei como vou dizer que a doutora Inês disse que não é menopausa, é um temporão que vamos ter. Queria morrer pra não dizer nada. Ah Jorge, Jorge! Agente não tem mesmo vergonha na cara, dois velhos assanhados.

***


RECORDANDO...

Flavina Maria Braga Silva

Tempão que faz...

Poderia falar sobre tantas coisas que não caberiam nesse papel. Mas sentar e escrever me fez lembrar de algo que enchia meu coração de alegria: escrever.

Escrever e receber cartas.E aí começava a ansiedade adolescente de esperar respostas, sonhadoras, românticas, criativas. A mais pura celebração de um encontro que estava sempre por acontecer.

A alegria da chegada do carteiro só se comparava com a leitura do conteúdo daquelas palavras mágicas.

Escrever cartas e esperar respostas...

Existia até um ritual. Eu demorava um pouquinho para abri-las, e lá no escondidinho do meu quarto, apalpava-as, cheirava-as, e nesse pequeno sofrimento premeditado, deixava solta a imaginação, pensando em como seriam as tais boas ou más notícias.

Chegavam cartas das primas distantes, da capital, contando as novidades da moda, das coisas modernas da cidade, dos prédios altíssimos com elevador, para mim algo inimaginável, dos meninos bonitos do bairro, dos carnavais nos clubes, Contudo, eu sempre me achava estranhamente mais moderna que elas, mesmo morando naquele matão, onde a TV, recém chegada, estava quase sempre fora do ar.

Eu queria mesmo era saber notícias da Apollo 11, da guerra do Vietnã, preocupada de verdade com o que teria acontecido com aquela menininha que corria nua pelas ruas de Saigon. Ou se as pessoas seriam as mesmas depois dos eclipses, ou se existia mesmo vida inteligente em Marte, e em como seria nossa vida no ano 2000. “- Ah... disso a gente não tá sabendo não”, respondiam as primas...

Que pena... e eu queria saber tantas coisas!

Minhas cartas falavam da pedra, do rio, do jeito do povo da cidade, do mercado,das frutas que não tinham na capital, do sol quente do forninho nanuquense e dos índios maxacalis em extinção. Falavam das figuras das professoras e das lindas canções que tocavam no velho rádio do meu pai.

Falavam das matinês do Bralanda com o inesquecível tema de abertura “Only You”, das voltas infindáveis na praça da Gurilândia, dos olhares furtivos dos garotos, dos jogos e desfiles estudantis.

Mas também, minhas cartas falavam de sonhos descabidos, de querer ser astronauta, jornalista, de qualquer coisa que me fizesse ganhar mundo, falavam de coisas que não podiam ser comprovadas, de querer conhecer países dos quais só ouvia falar, de sonhar um dia ter uma biblioteca com inúmeros livros. Biblioteca que falasse mais amiúde daqueles tempos que na Folha de Nanuque não cabia direito, e as revistas, eram luxo raro.

Então, as minhas cartas eram a minha salvação, minha net tupiniquim, para estar sabendo sempre mais do mundo imenso e fervilhante de novidades.

Não me tornei astronauta nem jornalista, tampouco ganhei o mundo, pelo menos fisicamente. Mas continuo a acreditar que os sonhos são a melhor forma de começarmos a busca de nossos objetivos, seja de qual forma for.

Por isso até hoje continuo escrevendo meus sonhos em cartas.

E adorando receber notícias...

Boas Ondas!


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