Simone Salles
Simone, Si, é jornalista e escritora, trabalhou em jornais e revistas da grande imprensa, como Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Correio Braziliense. Morou em Brasília 14 anos, onde também foi secretária-adjunta de Comunicação Social do Governo Cristóvam Buarque.
Coluna de 16/9
(próxima coluna: 26/9)
Corto os pulsos ou vou andar de bicicleta?
Pois é... São 5h45min de 15 de setembro de 2005. Estou há mais de duas horas, sentada, olhando fixamente para essa tela e não me vem qualquer idéia à cabeça. Preciso escrever uma crônica pra Leila. É minha amiga-irmã. Promessa dada, honra empenha, dizia Vó Pomba, sábia matriarca baiana. Bacana isso. Mas cadê idéia? Não que eu não as tenha. Ao contrário! Minha mente parece uma mini tela de cinema. Por ela passam toda sorte de imagens, pensamentos.
Um ininterrupto letreiro luminoso. Penso em tudo. Minha mente é uma usina atômica de idéias! Penso nos fatos da vida, desse cotidiano besta que vivemos. Penso no trabalho que tenho pela frente - depois de escrever a crônica. Nos textos que tenho para ler. Nas imagens que tenho de escolher para ilustrá-los. Nos deveremos do colégio, que os meninos, se eu não estiver em cima, não farão.
Depois vêm os dois, com cara de cachorro-quando-quebra-prato pedir: "Manhêêê... Escreve um bilhetinho aqui na agenda?" E a abestada aqui escreve. Péssima mãe que eu sou. Devia deixar que as professoras colocassem ambos de castigo. Santo de casa não faz milagre mesmo, disso já sei. Mas, Deus do Céu!, o que tem isso a ver com a crônica para a Leila? Nada, absolutamente nada!
Hoje tem secretária em casa. Menos mau. Não preciso me preocupar com almoço, arrumar casa, cuidar de uniformes, me descabelar para que meus anjinhos tomem banho no horário certo. Aliás, até hoje me indigno com isso. Para os padrões usuais, tive filho tarde, com 33 anos. Sou caçula, da família e do clã Maia Salles - exemplo mais que fiel da tal aristocracia rural sertaneja decadente baiana. Entendia nada de menino. Correção. Mesmo agora, mãe de dois, continuo a entender patavinas desses seres. Deviam nascer com bula, manual de instrução, sei lá!
Nunca fui chegada a bebezinhos. Dessas mulheres que param mãezinhas na rua para fazer bilú nos pimpolhos ou sentam, lépidas e fagueiras, para brincar com eles. Sou esquisita, não sei fazer isso. Mas minha indignação vêm da maternidade. Por que nenhuma daquelas enfermeiras - " nós vamos levantar agora", "nós precisamos caminhar um pouco", "nós vamos comer tudinho" , coisa mais doida e irritante essa de falar sempre na primeira pessoa do plural; pior: como se fôssemos crianças ou oligofrênicos! - não me avisou de um fato tão fundamental na vida de uma mãe? Não se dá banho em bebês!!!!
Não me conformo com isso! Bebês são como aqueles bichinhos do filme, os tais gremnlis - lindos, fofos, umas gracinhas. Até que tenhamos a insensatez de molhá-los. E eu, muito orgulhosa, dei banho em ambos. Taí o resultado. Monstrinhos!! Mas não é sobre as agruras de "padecer no paraíso" - se já não morreu, juro que mato quem cometeu essa frase! - o assunto da crônica para a Leila. A bem da verdade, nem assunto tenho! Quer dizer, tenho tantos, que acabo não tendo nenhum. Dá na mesmíssima coisa.
Não, isso não! Sobre política nem pensar! Tô de ovários cheios do assunto. Ambos e os demais orgãos adjacentes com função reprodutiva foram devidamente tombados pelo Patrimônio Histórico Cultural da Família. A parte externa tornou-se área de lazer aberta - mui seletivamente, é bom que eu faça a ressalva - ao público. Masculino. Tenho a falta de originalidade de ser heterossexual. Fazer o quê?! Acho difícil tornar-me criativa nesse quesito aos 43 anos. Mas... Melhor não cuspir pra cima.
Pronto. 6h31 e nada, nadinha de nada. Nem uma linha escrita. Não, não posso entrar em desespero. É pior. Aí é que não sai nada mesmo! Melhor tomar um banho. Passar um café novo, fresquinho. Talvez – quem sabe? – enquanto faço o café surja uma idéia. Droga! Não consigo levantar da cadeira. Cruzei as pernas, estão dormentes. Mal consigo tocar o chão com as pontas dos dedos. Ai meu São Judas Tadeu, vós que sois o Santo das causas impossíveis (e eu sou flamenguista, viu santinho? Tem mais essa a meu favor... Bom levar isso em conta...) ajudai-me nessa hora! Porque, meu santo, já tô naquela de horror!
- O que eu faço, meu São Judas Tadeu? Corto os pulsos ou vou andar de bicicleta?
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