Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em cultura clássica.

Mito em contexto - Coluna 17
(Próxima: 3/2)

O Senhor dos Inícios

Mais do que mostrar a luta entre pai e filho, o mito de Crono também ilustra temas como  envelhecimento, transformação, renovação, mudança e outros elementos relacionados ao tempo. Crono personificava o Senhor do Tempo, aquele que tudo devora. Além dos próprios filhos, devorava os seres e os destinos.

O tic-tac do relógio parece inofensivo diante do devorador Crono, mas o relógio é apenas uma de muitas convenções usadas para medir o tempo que percebemos no nascer do sol, na mudança da lua, na primavera e no nosso reflexo no espelho.

O tempo sempre foi estudado em todas as épocas e em várias áreas do conhecimento, nos mitos, na religião e na ciência. Presente, passado e futuro sempre foram questões abordadas nos aspectos cronológicos, existenciais, reais ou imaginários.

Passado e futuro são duas fases no ritmo de nossas vidas. O presente está entre o passado e o futuro, uma face que conhecemos, porque foi vivida e outra face que não conhecemos, com todas as suas possibilidades. Esses dois aspectos estão simbolizados nas faces de Janus, divindade romana de aparência bifronte.

Conta uma lenda que Janus um dia acolheu Crono, que  agradeceu a gentileza concedendo a Janus o poder de ver o passado e o futuro.  Crono era Saturno entre os romanos, que assimilaram os deuses gregos, mas Janus não tem nenhum correspondente grego.

Janus era adorado como o Senhor dos Inícios e protetor das Portas e Passagens. Na Antigüidade, muitas cidades tinham fortificações com portas que sempre precisavam de proteção. Janus era o protetor ideal, pois podia olhar para frente e para trás, para esquerda e para direita, interior e exterior...

Janus era também o porteiro celestial.  Sua face dupla podia olhar as entradas e as saídas e tinha uma tarefa especial, que era abrir as portas do ano que iniciava. Na origem do nosso calendário há homenagens a diversos deuses romanos. Janeiro era consagrado a Janus que, por ter duas faces, podia olhar ao mesmo tempo os dois anos, o que terminara e o que estava começando.

Mas Janus também tem uma face voltada para o presente, que é o tempo em que nós fazemos a nossa história. Se o passado não é mais, e não sabemos como será o futuro, o presente é o tempo que nós conhecemos antes de se tornar passado e futuro.

O passado tem tradições, mas também tem perdas. O futuro tem possibilidades, mas os riscos são desconhecidos. Janus ensina a voltar a face para os dois lados. Aproveitemos que ainda estamos em janeiro e olhemos para os dois lados. Que possamos aprender com a vivência do caminho já trilhado a compreender melhor o presente e caminhar de modo mais lúcido para o futuro.  

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