Raquel Naveira

Escritora sul-mato-grossense, nasceu no dia 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Tem vários livros publicados: romance, poesia, crônicas e infantis.       

Coluna semanal de Raquel Naveira
Nº 41, 4/9/2015

PÉROLAS

                     Guardo num estojo de veludo azul-marinho o colar e os brincos de pérola que usei no meu casamento. Uma noite me vesti de noiva, com rendas e pérolas. Havia lua e me afoguei num mar de espumas e pontas de estrelas.

                     Coloco os brincos. Lembrei-me daquele quadro do pintor holandês Vermeer, o “Moça com Brinco de Pérola”. Uma cabeça de mulher, o turbante em tons de ouro, a boca carnuda. O brinco de pérola brilhando como um ponto focal. E os olhos que nos observam. Misto de mulher e anjo. Esfinge leitosa. Musa perdida no tempo. Ninguém sabe quem foi a modelo do quadro. Num filme de Hollywood apresentando Colin Firth como Vermeer e Scarlet Johanson como a jovem, o diretor imaginou que ela seria uma camponesa que trabalhava na casa do renomado pintor. O filme é todo uma pintura, cheio de silêncios expressivos, desejos contidos e transmutados em arte.

                     Agora ponho o colar e me fito no espelho. Passo os dedos de conta em conta: cadeia de mundos, gotas de chuva, lágrimas de rosa. Aperto as pérolas contra meu colo. Está seguro, bem fechado. Se quebrasse, eu poderia me desiquilibrar, como oleiro que quebra o vaso de argila e chora sobre os cacos.

                     Tão preciosas as pérolas. Por isso o Reino dos Céus é comparado a uma pérola de grande valor. Aquele que a encontra, vende tudo o que tem para comprá-la. Quem descobre a importância da vida espiritual, sacrifica tudo por ela.

                     Sei enfiar pérolas num cordão de versos, pensamentos refinados, palavras escolhidas. Meu trabalho de ourives, de esmero com a linguagem, é semelhante ao dos pescadores que colhem ostras no fundo do mar. Arrancam as pérolas como se fossem fetos, até ficarem com os olhos cegos de sal.

                     A deusa Vênus, de Boticelli, nasceu de dentro de uma concha. Nua, esguia, empurrada para a praia pelos ventos das paixões, adornada pelo manto bordado de flores da primavera.

                     Um aviso: pérolas, poesia, fé, sabedoria, ciência não devem ser lançadas aos cães, nem deitadas aos porcos para não serem pisadas, enlameadas. Podemos ser mal compreendidos, despedaçados na pureza de nossas intenções. O conhecimento não deve ser entregue aos que não são dignos dele.

                     Tantos anos se passaram, tantas fases da lua, num ritmo cósmico e cíclico, que sublimou meus instintos e amadureceu minha feminilidade criativa. Retiro os brincos e o colar, guardo-os novamente no estojo. Emblemas do meu amor, essas pérolas estiveram em conchas, as conchas no oceano profundo. As ondas cobriram tudo de azul-marinho.

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