Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em cultura clássica.

Mito em contexto - Coluna 20
(Próxima: 20/3)

A mulher guerreira

Os homens costumam dizer que não entendem as mulheres. Provavelmente os homens, e até as mulheres, que não conhecem as deusas da mitologia não entendem mesmo. Há muitos estudos que pretendem conhecer a alma feminina, e muitos deles oferecem características arquetípicas das deusas como fontes dos padrões emocionais dos sentimentos, pensamentos e comportamentos femininos. 

Um desses arquétipos é o da guerreira ou heroína, que possui características de bravura e coragem, tão necessárias à sobrevivência no mundo masculino e patriarcal. Atena é a deusa que nasceu guerreira, quando saltou adulta e armada da cabeça de Zeus. Repetindo o comportamento do avô Urano e do pai Crono, que engoliam seus filhos temendo a perda do trono, Zeus engoliu Métis quando estava grávida dele. Depois, com muita dor, Zeus pediu que Hefesto lhe abrisse a cabeça, donde saltou Atena.

Por ter saído da cabeça do deus, o maior poder de Atena era o mental. É o máximo de exemplo da mulher inteligente, de mente lógica e governada pela razão. A deusa da sabedoria era também protetora das artes e trabalhos manuais, um dos motivos pelos quais foi desafiada pela tecelã Aracne, que dizia ser mais perfeita que a deusa. Atena entrou disfarçada em um concurso com Aracne, que mostrou um trabalho impecável ilustrando os amores da Zeus. A deusa ficou brava e o destruiu, induzindo Aracne a se enforcar. Depois a deixou viver como aranha, condenada a tecer para sempre.

Como deusa guerreira, Atena participou da gigantomaquia ao lado do pai e na Guerra de Tróia a favor dos gregos. Nas lendas era normalmente mostrada como protetora de heróis e representada armada com capacete, couraça e escudo com a cabeça da Medusa. Esse escudo foi essencial para Perseu usar como espelho e não olhar diretamente o monstro. Após decapitar Medusa, Perseu presenteou Atena com a cabeça que foi colocada no meio do seu escudo. A deusa também protegeu Ulisses durante a longa viagem de retorno a Ítaca, após a Guerra de Tróia.

Além da Tróia homérica, Atena era cultuada em toda a Grécia e protetora de várias cidades como Argos, Esparta e Larissa. Disputou com Poseidon um padroado: venceria quem desse o melhor presente. Poseidon deu um cavalo, mas Atena venceu ao dar a oliveira que produzia óleo e alimentos. A cidade de Atenas levou seu nome e abrigou seu santuário mais famoso, o Parthenon . O templo foi erguido no Período Clássico e trazia relevos e esculturas, especialmente uma estátua da deusa de ouro e marfim esculpida pelo famoso Fídias. A estátua sumiu, mas o templo ainda resiste nas ruínas.

Parthenon quer dizer “casa da deusa virgem ”. E assim era Atena, virgem e independente em relação aos namoros e casamentos, como as deusas Héstia e Ártemis. As três deusas não padeceram por causa dos homens, ao contrário das deusas Hera, Deméter e Perséfone, que sofreram pelos vínculos afetivos que fizeram. Mas nenhuma deusa foi tão desejada quanto Afrodite, deusa do Amor, da busca pelo prazer, beleza e felicidade.



A colunista junto ao Parthenon, templo dedicado à deusa Atena.

Afrodite foi escolhida por Páris na disputa entre ela, Hera e Atena pelo título de deusa mais bela. Éris, deusa da discórdia, não foi convidada para o casamento de Peleu e Tétis, então deixou à mesa um pomo de ouro escrito “À mais bela”. Zeus ordenou que o príncipe troiano resolvesse a disputa. Atena ofereceu sabedoria; Hera, o poder. Afrodite prometeu o amor da mulher mais bela, a preferência de Páris. O resultado provocou o ódio das outras contra Tróia em um dos acontecimentos que levaram à famosa Guerra de Tróia.

Outro julgamento importante envolvendo a deusa aconteceu na tragédia Eumênides , de Ésquilo. Orestes foi perseguido pelas Erínias após o assassinato da mãe e do amante, que mataram seu pai Menelau quando retornou da Guerra de Tróia. Minerva é o nome da deusa para os romanos, e com esse nome conhecemos a expressão “Voto de Minerva”, o voto de desempate a favor de Orestes. A deusa analisava racionalmente os fatos no seu julgamento. Por essa característica, foi retratada com uma coruja, ave associada à sabedoria.

A tendência a fazer tudo com moderação e tentar viver em equilíbrio justo é um ótimo legado dos gregos para nós mulheres. E há um panteão de deusas com diversos aspectos da personalidade feminina, características de papéis que desempenhamos ao longo da vida, como se em cada momento, uma deusa nos orientasse.

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