Mito em contexto - Coluna 21
(Próxima: 5/4)
Um deus da mitologia no teatro
Os deuses cultuados na Grécia antiga tinham vontades e personalidades como as humanas, e muitas das suas características eram ligadas aos elementos da natureza. Um deus especial era Dioniso, cultuado como deus do vinho, da fertilidade e do Teatro.
Não sabemos muito sobre a origem do teatro, mas muito do que já se especulou sobre o assunto levou a acreditar que os elementos que fazem parte da sua história começaram a aparecer nos festivais em honra ao deus Dioniso.
Os antigos gregos faziam em homenagem a Dioniso algo parecido com as procissões que relembram a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Rituais e festas eram realizados contando a história de dor e alegria de Dioniso, como o nascimento conturbado, a destruição pelos titãs e o renascimento.
O culto a Dioniso estava relacionado aos ciclos da natureza e realizado na época da colheita da uva, para agradecer a abundância da vegetação. Abundantes também eram nessas festas o vinho, o canto e a dança. Faziam parte das homenagens frenéticas ao deus os participantes vestidos e mascarados de bode, ninfas e sátiros, relembrando quando Dioniso menino corria pelos bosques acompanhado das ninfas, arrastando seres fabulosos como sátiros, centauros e mênades, entre outros.
No cortejo ouviam-se sons de tambores, gritos e delírios. Coros cantavam o hino de louvor chamado ditirambo, depois acrescido de dança e música – a tragoidia, ou canto do bode. Do ditirambo surgiu mais tarde a forma dramática chamada tragédia. A origem da palavra tragédia seria tragos (bode) + oide (canto), canto do bode, animal no qual Dioniso teria se disfarçado durante a fuga dos Titãs. O coro e o ditirambo já traziam os elementos essenciais à arte teatral, como o canto, a dança e a mímica.
Os devotos do deus caíam desfalecidos após os louvores. Acreditavam que saíam de si pelo processo de ékstasis , êxtase, e mergulhavam no deus pelo processo de enthusiasmós, entusiasmo. O homem, em êxtase e entusiasmo, comungava com a divindade e a imortalidade.
Os rituais se desenvolveram e outras festas surgiram com a mesma finalidade, como as Dionísias Urbanas , quando aconteciam também as competições dramáticas. Segundo a lenda, em uma dessas festas uma pessoa do coro dialogou como se fosse o próprio deus, e não ele mesmo, fazendo surgir a figura do Ator. Essa pessoa, que se chamava Téspis, subiu em uma carroça diante do público e, de túnica e máscara, falou dramaticamente: “Eu sou Dioniso, o deus da Alegria ”.
Ruínas do Teatro de Dioniso em Atenas. © Foto de autoria da colunista
A atitude de Téspis dividiu o público, ainda em dúvida se aquilo um louvor ou um sacrilégio. Estaria Téspis “entusiasmado”, isto é, com o deus dentro dele? Era uma forma criativa de imitação, alguém fingir ser o que não é, um hypocrités, hipócrita, como era chamado o Ator nas suas origens. E quem algum dia não pensou, ao ver um grande Ator interpretar um personagem, que ele o fazia tão bem que parecia estar possuído? Seria o processo dionisíaco do êxtase e entusiasmo auxiliando sua representação?
Na era democrática da história grega, houve incentivo para quem soubesse entreter o público daquela forma nas festas que homenageavam os deuses. Depois, ocorreram competições e prêmios para os imitadores. Dramaturgos famosos até hoje escreveram suas peças nessas celebrações, como Eurípides, Sófocles e Ésquilo.
Esses elementos mudaram com o tempo. Depois, o próprio deus já não era a personagem única. Surgiram os heróis... Não cultuamos mais os deuses nas encenações. Ir ao Teatro não é mais um ato religioso ou cívico. Nos rituais do Ditirambo, os gregos se embriagavam nas brincadeiras. Hoje, assistimos sóbrios às histórias que se desenrolam no palco. Mas não negamos que muitas delas nos deixam em êxtase, certamente um resquício da magia daqueles ritos em honra a Dioniso que permanece na Arte Teatral
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