COLUNA DE VÂNIA MOREIRA DINIZ

Nº 37 - 21/3/2008
(próxima: 6/4)

          

Tarde de Páscoa

No Domingo de Páscoa, reunimos alguns amigos e fomos almoçar numa churrascaria. Íamos dispostos a realmente passar momentos agradáveis. Estava um lindo dia de sol, e eu com o finalzinho de uma gripe insistente não estava muito animada, mesmo porque a saudade de alguém muito querido insistia em me perseguir violentamente. Mas sabia o quanto meus amigos contavam comigo e não queria fazer uma desfeita.

Há algum tempo não nos reuníamos e todos tinham muitas histórias para contar. Eles estranhavam meu silêncio, já que sempre sou muito animada em qualquer reunião. Gosto muito de curtir restaurante, uma velha mania adquirida de meu pai e costumo dizer que nasci no mar que me batizou e perto de um restaurante. Meu pai tinha mania deles e costumávamos várias vezes por semana almoçar ou jantar fora. Muita pequena já gostava desse ambiente. Não era naturalmente por causa da comida, mas pela atmosfera prazerosa que costuma se formar. As pessoas que entram e saem, o barulho agradável das vozes e a animação em volta. Mas ontem estávamos com pressa e ainda ia passar por minha casa para pegar o violão que nos acompanharia em algumas músicas. Pretendíamos ir ao clube nadar um pouquinho, tomar sol, enfim passar o resto da tarde.

Lembrava-me de outras páscoas nos anos anteriores e então vi como meu irmão que veio nos visitar em Brasília me conhecia. Enquanto alguns amigos perguntavam-me avidamente sobre as sensações de quem escreve muito e sobre tudo que contornava minha vida ele percebeu o quanto eu estava distante, apesar de delicadamente responder às perguntas que me faziam. Convidou-me então para dar um passeio pelo clube enquanto os outros aproveitavam para tomar um pouco de sol.

Eu gosto imensamente de tomar sol, mas prefiro fazê-lo sozinha, ouvindo uma música próxima e fechando os olhos e deixando que os pensamentos tomem rumos diversos. Isso me dá um relaxamento gostoso e completamente repousante.

Enquanto andava ali conversando animadamente com meu irmão não percebi alguém que me olhava insistentemente.Só depois vi que ele passava por mim num carrinho de rodas e parou, com uma expressão que me pareceu de muita emoção.

Perguntei-me se o conheceria até que meu irmão perguntou-me:

— Conhece-o?

Seu rosto não era me era estranho. E o rapaz estava estranhamente emocionado, os olhos parecendo marejados de lágrimas.

Quando o olhei mais detidamente ele me perguntou

-— Não lembra de mim? Eu mudei tanto assim, Ciganinha?

O modo de ele falar, a inflexão de sua voz e a maneira de colocar as palavras fizeram com que imediatamente eu localizasse o meu querido amigo de infância, Mauricio e meu irmão também lembrou imediatamente . Aproximei-me estarrecida por vê-lo numa cadeira de rodas e abaxei-me completamente para abraçá-lo forte, completamente sensibilizada e principalmente triste pelo seu estado. Foi talvez meu amigo de infância mais dedicado, muitos anos mais velho do que eu, e sempre ouviu minha tagarelice com interesse e animação.

Enquanto o abraçava pronunciava seu nome com ternura indizível.

— Maurício, Maurício, que aconteceu?

— Você não mudou nada, nada.Continua a ser a Ciganinha de sempre e ao dizer isso seus olhos estavam molhados e as lágrimas desciam.

Fomos nos acomodar numa mesinha mais isolada e ele me falou que estava visitando a tia Joelma que eu conhecia tanto, mas não sabia que estava morando em minha cidade.

Depois das longas recordações, disse que tinha uma surpresa. Revi pouco depois sua irmã, amiga de infância e até de sala de aula, da minha idade e que fora companheira em muitos momentos tanto da minha vida como da dela até aos quinze anos, quando eu saíra de casa. E quando nos vimos ali os abraços de saudade foram imensos e delirantes. Cada uma queria ouvir mais da outra e nos afastamos para conversar. Aí vi como a saudade é curtida e fica como que incubada em nossas almas. A minha amiga estava muito bonita, os cabelos louros dando um contraste na pele queimada e nos olhávamos muito saudosas. Ela passava delicadamente a mão em meus cabelos e nos contemplávamos com carinho.

Mildred contou-me então o desastre que Maurício sofrera, da imobilidade quase absoluta em que se encontrava, e eu lamentei profundamente alguém tão especial como meu amigo-irmão cuja vida tinha sido marcada pela tragédia. E tragédia porque um fato muito doloroso acontecera quando ele era cadete e estava estudando para ser militar.

Com dificuldade e quando já escurecia começamos a tocar violão enquanto olhávamo-nos com ternura, com certeza com as mesmas recordações a povoar-nos a cabeça.

Foi assim minha tarde de Páscoa e agradeci a Deus ter reencontrado meus amigos queridos. De vez em quando os via quando ia ao Rio, mas fazia pelo menos doze anos que eles estavam ausentes não do meu coração, mas dos acontecimentos atuais da minha vida.

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