Coluna de 14/10
(próxima coluna: 28/10)

Jorge Amado, um capitão das areias navegante das letras

 “(…) eu nunca vou escrever uma autobiografia. Esse negócio de dizer nasci em Ferradas, no ano tal, fiz isso e aquilo, que glória, é muito chato.” Jorge Amado aos 80 anos - 1992

             Por essas e outras frases ótimas de nosso grande Amado, precisamos falar dele e sua trajetória, pois como escritor, era um tédio a tarefa de se auto-retratar se não fosse pelos relatos dos bons momentos. Precocemente aos catorze anos, Jorge Amado – nascido em 1912 – começou a participar da vida literária e a trabalhar em jornais na Bahia. Assim, iniciou-se a carreira do imortal escritor da Academia Brasileira de Letras – cadeira nº 23 – em plena pre-adolescência; começando oficialmente como repórter do Diário da Bahia aos quinze anos. Em paralelo, publicava nas revistas A Semana e Meridiano. Junto a um grupo de jovens, fundou a “Academia dos Rebeldes” que desempenhou papel irreverente e importante na renovação da literatura baiana; contemporâneos aos também rebeldes, os grupos Arco & Flecha e Samba. Parecia já prever vir a ser um “acadêmico” no futuro, por vocação. Um virtuose. Seu primeiro livro foi publicado somente quatro anos depois, em 1930. E, segundo ele mesmo, o livro de tão ruim que era, nunca foi reeditado. E demorou mais de 30 anos de carreira, para Jorge sentar-se ao lado dos aclamados “imortais” e tornar-se um deles em 1961.
             Sua história pessoal foi marcada por alegrias e também conflitos como os do cacau e da cana. Um fato marcante de infância, foi seu pai ter sido baleado por um jagunço, quando ele estava em seu colo. Com isso, a família mudou-se da fazenda onde nasceu, para a capital.Podemos perceber que tais conflitos estão pontuados em sua literatura. E assim como em seus livros, sua vida criou asas e se encantou com Salvador, onde cursou o ginásio e o segundo grau. Foi lá que viveu, cresceu, trabalhou e aprendeu a ser livre e a se mesclar com o povo, nos seus inesquecíveis anos de adolescência. No ginásio, transitou ativo entre literatura e jornalismo. Liderou a revista da escola, fundou um jornal de oposição ao grêmio. Exerceu ser o rebelde que sonhara. Nas ruas da capital baiana, tomou conhecimento da vida popular mais de perto, interagindo com os tipos, o que mais tarde iria marcar profundamente sua memória, apurando o seu olhar e sua percepção peculiar, revelando de forma dramática ou então bem humorada, os ricos detalhes de sua obra. Já mais velho, foi estudar Direito no Rio de Janeiro e formou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais em 1935. Algo comum de acontecer na sua geração, quando as opções eram as de ser médico, engenheiro ou advogado. Porém ele nunca exerceu a advocacia, mas acabou sendo deputado. Recém-formado, e de volta a Salvador, o rapaz, que também era militante comunista, escreveu o livro Subterrâneos da Liberdade, motivo que o levou a ser preso em 1936 e 1937. Seus livros foram queimados em praça pública em 1937. Foi preso novamente em 1942 e 1945. Depois, ele reeditou o mesmo livro em 1954.
             Amado foi um dos raros escritores brasileiros profissionais de excelência máxima, que conseguiu manter seu sustento através dos direitos autorais de seus livros.Falar de sua biografia completa nos levaria a páginas e mais páginas que possivelmente concluiriam um livro rico em conteúdo e nuances desse autor-personagem de si mesmo. Minha intenção aqui, porém, é “pincelar” alguns fatos e dados importantes de sua trajetória e focalizá-lo como o autor-dramaturgo autêntico que foi. Mesmo sem pretender de inicio sê-lo. Tratou de temas não antes abordados, de um Brasil extremamente exótico e sensual exalado em seus personagens, através de suas comidas, seus cheiros e ervas e seus costumes revelados na cultura local da Bahia. Aliás, sensualidade e sexualidade marcaram sua obra. Nos tempos que abordá-los era chacoalhar com os tabus e causar frisson.
             
Suas peças teatrais mais populares atualmente – em termos de número de montagens – são: “Capitães da Areia (1937)” e “O Mar Morto (1936)”, sendo originalmente romances adaptados para o teatro. Ele escreveu apenas um texto em 1947, com intuito de ser originalmente teatral: “O amor do soldado”. A maioria das encenações teatrais, os filmes e novelas que assistimos originadas de seus textos são adaptações nacionais e internacionais de seus romances. Talvez pelo fato de serem tão vivos os seus personagens, cheios de si em suas próprias falas, repletos de sentimentos e com seus maneirismos tão bem delineados. Prato cheio para diretores e atores em torno de uma encenação. O “Capitães da Areia”, por exemplo, trata da temática dos meninos de rua. Explica-se que este é um grupo de meninos marginalizados, os menores abandonados que vivem por aí, soltos pelas ruas aterrorizando as pessoas. Passa-se em Salvador. Ele abordou isso muito antes do problema tomar as dimensões que tomou nas ruas das principais capitais brasileiras. Já o texto de "Mar Morto", percebemos que pertence a uma fase lírica e romântica, com o elemento sentimental em primeiro plano, falando de ciúmes, rixas, casos de rua e os muitos amores dos marinheiros/pescadores. A história de amor, passada no Cais da Bahia, conta onde os pescadores viviam, seus ritos para Iemanjá, seu cotidiano de pesca e costumes, histórias de homem simples, sendo que um deles, o personagem Seu Francisco, passa para o sobrinho Guma seu conhecimento e sabedoria sobre as leis da vida e do mar. Recentemente foi adaptado para ser novela da Rede Globo, assim como também já foram antes “ Gabriela, Cravo e Canela”, “ Tieta do Agreste” e algumas minisséries como “Jubiabá”, “Tenda dos milagres ”, “A morte de Quincas Berro d'Água”, entre outros. Seus textos estão intimamente ligados ao contexto e os personagens autenticamente espelhados por este local que habitam ou pertencem. Talvez por isso mesmo as “personas” sejam sempre tão bem construídas.
             Como muitos sabem, seus textos ficaram famosos ao serem adaptados para o teatro, a televisão e o cinema; mas poucos sabem também das versões para o rádio e histórias em quadrinhos, não só no Brasil mas na França, Portugal, Tcheco-Eslováquia, Argentina, Polônia, Itália, Alemanha, Suécia, e nos Estados Unidos. Sem pretender, sua literatura virou boa dramaturgia, pelo sumo do conteúdo que concentra, sendo disseminada aos quatro cantos. Seus livros estão presentes em mais de 60 países e traduzidos para mais de 48 idiomas e dialetos, a saber (por ordem alfabética): albanês, alemão, árabe, armênio, azerbaijano, búlgaro, catalão, chinês, coreano, croata, dinamarquês, eslovaco, esloveno, espanhol, esperanto, estoniano, finlandês, francês, galego, georgiano, grego, guarani, hebreu, holandês, húngaro, iídiche, inglês, irlandês, italiano, japonês, letão, lituano, macedônio, moldávio, mongol, norueguês, persa, polonês, romeno, russo (também três em braile), sérvio, sueco, tailandês, tcheco, turco, turcomano, ucraniano e vietnamita. Eles hoje são uma honra ao mérito da literatura brasileira de qualidade, no mundo. Por 36 anos – de 1941 a 1977 – mesmo durante o exílio, seus livros foram editados pela Livraria Martins Editora, na famosa coleção Obras Ilustradas de Jorge Amado. Atualmente, podemos encontrar suas obras completas publicadas na Editora Record.
             O primeiro livro editado em 1930, aos seus dezenove anos (já citado antes), foi o romance “Lenita”, escrito em colaboração com Dias da Costa e Édison Carneiro, colegas da Academia dos Rebeldes; mas foi com o romance “O país do carnaval”, publicado em 1931, que se considera ter ele realmente estreado. O autor publicou continuamente por quarenta e sete anos em seus mais de cinqüenta anos de carreira. E foi a partir do sucesso de público de “Gabriela, Cravo e Canela” em 1958, que ele alcançou o topo de sua fama e, apartir de então, sua obra deslanchou mais em popularidade do que em crítica. Em 1959, foi reconhecido pela primeira vez com seis prêmios de uma só vez; em um único ano recebeu o que esperou por vinte e nove anos de exercício da escrita.
             Precisamos lembrar que ele também foi considerado um maldito, por ter sido preso e ser comunista. E, no período da ditadura do Governo Getulio Vargas, sofreu serias conseqüências por isso. Seu ativismo político muitas vezes o deixou à margem de ser um intelectual devidamente reconhecido. Talvez por isso tanto atraso na aclamação de sua obra. Politicamente, ele foi eleito deputado federal em 1945 pelo Estado de São Paulo e também participou da Assembléia Constituinte de 1946 representando o Partido Comunista Brasileiro. Porém antes foi perseguido e obrigado a viver exilado. Primeiro na Argentina e no Uruguai, entre 1941 e 1942. Voltou e exerceu os cargos conquistados. Dois anos depois, foi exilado novamente por quase cinco anos e viveu em Paris, entre 1948 e 1950 e em Praga, entre 1951 e 1952. Viajou muito, por todo o mundo. Viu muitas coisas; mas sempre escreveu sobre o Brasil, em especial o Estado da Bahia, sua terra natal e paixão.
             Contudo, em meio a tantas repressões, ele se manteve ativista e comunista e foi novamente eleito deputado federal após o Estado Novo, de volta a Câmara Federal. Com isso, foi o responsável por diversas das novas leis que vieram a beneficiar a cultura brasileira. Devemos muitas das renovações legislativas que vivemos hoje, a este rebelde criativo e virtuoso comprometido com a cultura e o social de seu país.
             Jorge Amado faleceu em 06 de agosto de 2001 em Salvador, quatro dias antes de seus 89 anos, por uma parada cárdio-respiratória. Por sua vontade, teve seu corpo cremado em 08 de agosto e as cinzas foram jogadas na mesma cidade, no quintal de sua casa, aos pés da mangueira que gostava, no bairro do Rio Vermelho. Para ele, este último desejo expresso, seria o de simbolizar o ato de florescer e dar frutos; ciclo do amor eterno.
             Durante muitos anos de sua vida foi casado com a escritora Zélia Gattai –“Anarquistas, graças a Deus”, “Senhora dona do baile”, “Pipistrelo das mil cores”, “O segredo da Rua 18”, entre outros títulos – com quem teve um casal de filhos: João Jorge e Paloma.
             Após seu falecimento, a prefeitura de Salvador, junto ao governo estadual da Bahia, rebatizou no famoso centro histórico do Pelourinho, travessas, ruas e largos usando os nomes dos personagens de Jorge Amado, como por exemplo: Largo Tereza Batista e Travessa Quincas Berro D'Água, entre outros tantos. Lá também se encontra a Fundação Casa de Jorge Amado, para preservar e divulgar, além de também documentar, todas as montagens e filmes referentes realizados a partir da obra do escritor. Como não poderia deixar de ser, o autor virou um monumento vivo e presente no cotidiano de sua terra. A amada Bahia de Amado.

 

Para visitar:

Teatro Jorge Amado - Av. Manoel Dias da Silva, 2177 - Pituba - Salvador, BA.

Café-Teatro Zélia Gattai - Fundação Casa de Jorge Amado / Largo do Pelourinho - Salvador , BA

 

Obras publicadas:

1931 - O país do carnaval, romance
1933 - Cacau, romance
1934 - Suor, romance
1935 - Jubiabá, romance
1936 - Mar morto, romance
1937 - Capitães de areia, romance
1938 - A estrada do mar, poesia
1941 - ABC de Castro Alves, biografia
1942 - O cavaleiro da esperança, biografia
1943 - Terras do sem fim, romance
1944 - São Jorge dos Ilhéus, romance
1945 - Bahia de Todos os Santos , guia
1946 - Seara vermelha, romance
1947 -O amor do soldado, teatro
1951 - O mundo da paz, viagens
1954 - Os subterrâneos da liberdade, romance
1958 - Gabriela, cravo e canela, romance
1961 - A morte e a morte de Quincas Berro d'Água, romance
1961 - Os velhos marinheiros ou o Capitão de longo curso, romance
1964 - Os pastores da noite, romance
1966 - Dona Flor e seus dois maridos, romance
1969 - Tenda dos milagres, romance
1972 - Teresa Batista cansada de guerra, romance
1976 - O gato Malhado e a andorinha Sinhá, historieta
1977 - Tieta do Agreste, romance
1979 - Farda, fardão, camisola de dormir, romance
1979 - Do recente milagre dos pássaros, conto
1982 - O menino grapiúna, memórias
1984 - A bola e o goleiro, literatura infantil
1984 - Tocaia grande, romance
1988 - O sumiço da santa, romance
1992 - Navegação de cabotagem, memórias
1994 - A descoberta da América pelos turcos, romance
1997 - O milagre dos pássaros, livro conto
 

PRÊMIOS

Nacionais:

1959

•  Prêmio Nacional de Romance do Instituto Nacional do Livro
•  Prêmio Graça Aranha
•  Prêmio Paula Brito
•  Prêmio Jabuti
•  Prêmio Luísa Cláudio de Sousa do Pen Club do Brasil
•  Prêmio Carmen Dolores Barbosa 

1961

1970

•  Troféu Intelectual do Ano
•  Prêmio Jabuti


1982

•  Prêmio Fernando Chinaglia, Rio de Janeiro
•  Prêmio Nestlé de Literatura, São Paulo
•  Prêmio Brasília de Literatura – Conjunto de Obras

1984

•  Prêmio Moinho Santista de Literatura

1985

•  Prêmio BNB de Literatura

 

Títulos de honra:

•  Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia - 1980
•  Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará - 1981
•  Grão Mestre da Ordem do Rio Branco - 1985
•  Comendador da Ordem do Congresso Nacional, Brasília - 1986

 

Parágrafo único:

•  Membro da Academia Paulista de Letras
•  Membro especial da Academia de Letras da Bahia

 

Internacionais:

1951 - Prêmio Internacional Lênin - Moscou, Rússia
1971 - Prêmio de Latinidade – Paris, Franca
1976 - Prêmio do Instituto Ítalo-Latino-Americano - Roma, Itália
1984
           •  Prêmio Risit d'Aur - Udine, Itália
           •  Prêmio Moinho, Itália
1986 - Prêmio Dimitrof de Literatura – Sofia, Bulgária
1989 - Prêmio Pablo Neruda, Associação de Escritores Soviéticos - Moscou, Rússia
1990 - Prêmio Mundial Cino Del Duca da Fundação Simone e Cino Del Duca - Itália
1995 - Prêmio Camões - Portugal

 

Títulos de honra:

•  Comendador da Ordem Andrés Bello, Venezuela - 1977
•  Commandeur de l'Ordre des Arts et des Lettres, da França - 1979
•  Commandeur de la Légion d'Honneur, France - 1984
•  Doutor Honoris Causa pela Universidade Degli Studi de Bari, Itália - 1980
•  Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lumière Lyon II, França - 1987

 

Parágrafo único:
•  Membro correspondente da Academia de Ciências e Letras da República Democrática da Alemanha
•  Membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa