Raquel Naveira

Escritora sul-mato-grossense, nasceu no dia 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Tem vários livros publicados: romance, poesia, crônicas e infantis.       

Coluna semanal de Raquel Naveira
– Nº 42, 11/9/2015 –

XADREZ

                   Convidei meu adversário para uma partida de xadrez. Diante de nós, o tabuleiro de figuras geométricas, branco e preto, sombra e luz, dia e noite. Universo manifestado em madeira. Posiciono minhas peças. Ele também. Precisarei de sorte. Sinto uma vertigem. Ele relembra as regras do jogo. Balanço a cabeça concordando, procurando transparecer confiança e espontaneidade. Em breve farei proezas, penso, vou desconcertá-lo com meus encantamentos. Colocarei toda a força de minha alma, de minha libido, de minhas entranhas. Dialogarei com a magia e o invisível. Nesse tabuleiro encontram-se as oposições, a situação de conflito, a manobra da inteligência e do cálculo. Em cada ponto deposito um pouco dos meus recursos, dos meus limites e sonhos. Minha dama branca inicia a batalha ocupando a casa branca. Um bispo negro se move em minha direção. Cada peça repercute sobre a outra, traz consequências que nos sobressaltam e maravilham.

                   O xadrez põe em ação a exaltação e o rigor. É jogo que desenvolve qualidades como aceitação, estratégia, domínio da alternância, controle sobre os territórios e sobre si mesmo. Diz a lenda que um brâmane criou o jogo a pedido de um rajá indiano. Como recompensa, o sacerdote recebeu uma quantidade de grãos de trigo na primeira casa, dobrando progressivamente a cada casa conquistada. Conseguiu assim fartura e dignidade para seu povo. O jogo era popular entre os califas como Harun al-Rashid, que patrocinavam os melhores jogadores de sua corte para longas maratonas. O fato é que após a conquista da Pérsia pelos árabes, eles assimilaram o jogo e o difundiram no ocidente, levando-o à África e à Europa.

                   Não posso me desconcentrar. Tenho que lutar contra o medo e as minhas dúvidas. Restaram-me ainda as torres de marfim e alguns peões. Trago à tona minha imaginação. Emociono-me com a perda de um cavalo tombado na neve. Foi um duro golpe. Vou além. O adversário é astuto, mas não me derrubou. Penetrou no meu campo, no meu psiquismo, mas será expulso. O cenário é de combate. Lembrei-me dos versos do poeta romântico Gonçalves Dias: “... a vida/ É luta renhida:/ Viver é lutar./ A vida é combate,/ Que os fracos abate,/Que os fortes, os bravos/ Só pode exaltar.” Serei forte? Talvez não. Mas quando sou fraca, aí é que sou forte. Clamarei por um instante pelas potências cósmicas, as mãos em gancho, buscando uma nova peça nesse conjunto. Um novo risco, uma nova oportunidade, uma nova expressão. Uma saída. Uma solução urgente e matemática.

                   Estudei muito antes de convidar o adversário para esse jogo. Observei como ele agia, sua sagacidade e subterfúgios. Preparei-me, afinal, todos os que competem nos jogos se submetem a um treinamento puxado para obter a coroa de louros que logo murcham e se desvanecem. Vencendo esse jogo enxadrezado, terei uma coroa eterna, supremacia sobre o mundo, que morreu para mim.

                   A partida parece interminável. Meu adversário não tem pressa. A qualquer momento direi a ele: “ – Combati o bom combate, completei a corrida pelo tabuleiro. A minha dama forçou caminho contra o rei solitário.” Num último lance, gritarei vitoriosa: " – Xeque-mate".

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