Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel

Nº 95 - 1ª quinzena novembro
(próxima coluna: 25/11)


O DOMADOR DA MONTANHA


Obra inédita

Capítulo 8: A PRIMEIRA LUTA

   

          No dia seguinte o tigre reapareceu.
          Trazia uma caça na boca, mas ANL nada queria comer.
          Mas o tigre insistiu tanto que ele aceitou.
          Depois, enquanto o tigre comia, ANL entrou em meditação.
          Depois do almoço, o tigre voltou para suas terras.

          Depois que o tigre desapareceu, subitamente a terra estremeceu e as pedras da montanha começaram a cair. Uma grande fenda se abriu no chão.

          As pedras fecharam ANL numa lapa onde ele se abrigara durante o almoço com seu amigo tigre.
           Mas ANL fez um gesto e apareceu um túnel e ele pôde sair dali.

          Quando saiu, encontrou Mutsamey muito irada, furiosa mas perplexa e quase aterrorizada com o poder de ANL que ela tentara soterrar.

          ANL lhe um gesto ameaçador, mas então Mutsamey se posternou diante dele e se ofereceu para conceder proteção.

          ANL aceitou, abençoou-a e lhe deu o nome secreto de “A grande e graciosa senhora da invencível turquesa”.

 

***

          Saindo dali, ele cortou o vale de Mang-Yul.
          Como Mutsamey continuasse a rondar, embora invisível, ANL em dado momento, no meio de uma série de montanhas iguais, invocou aquela deidade e lhe falou da seguinte forma:

          — Graciosa Dama, diga-me qual é o meu caminho.
          — O seu caminho não consigo saber. Para onde você vai?
          — Eu vou para onde possa encontrar Samyé.
          Então a Graciosa Dama indicou a correta direção e desapareceu silenciosamente.

          Quando ANL chegou ao Planalto Celestial, subitamente o céu se escureceu e grandes nuvens negras se formaram.
           Uma gigantesca trovoada rasgou os ares de ponta a ponta, como se quisesse destruir o universo inteiro. Quanto mais ANL avançava, mais o tempo ficava estranho, o céu escurecia e se tornava ameaçador.
          Então um relâmpago partiu do céu e quase atingiu o lugar onde ele passava.

          Vendo isso, ele parou.

          Então ANL retirou um pequeno espelho do bolso, sentou-se na grama, esperou.

          Quando novo relâmpago apareceu, ANL apontou para ele o pequeno espelho, aquilo foi refletido, voltou para o céu, eletrizando todo espaço celestial. Aquilo se espalhou por toda a cúpula celeste.

          Um novo relâmpago se armou, muito mais fraco, e um terceiro mais parecia uma pequena faísca de pedra de isqueiro.

          Depois disso, Nammen Karmo apareceu no céu em sua frente e mergulhou no Lago do Esplendor.

          Mas ANL sabia que fora ela quem provocou toda aquela tempestade, e por isso fez o gesto do escorpião em direção ao lago, transformando-o numa gigantesca massa de fogo.

          O Lago do Esplendor realmente se incendiou como se fosse feito de gasolina atingida pelo fogo, e depois o lago começou a incendiar e ferver.
           Eram tão altas as chamas e a temperatura que a carne da deidade ficou separada dos ossos.

          Nammen Karmo logo procurou escapar dali.

          Mas ANL, tomando o vajra em sua mão, desferiu-lhe um golpe, fazendo-a recuar.

          Então Nammen Karmo gritou:

          — Eu não mais criarei problemas para você, por favor, me perdoe! – e ela estava submissa, mas como seu corpo já estava muito deformado e ela tinha perdido um olho, ANL a nomeou “Senhora invencível de um olho só”.

          Nammen Karmo se transformou em protetora do Dharma.

          Quando ANL chegou em O-Yuk, entrou pelo profundo desfiladeiro em caminhada serena, compassada.

          Lá, uma deusa tenma tentou matá-lo.

          Ele vinha pelo desfiladeiro, entre as duas elevações majestosas que se abrem para o Tibet, quando a deusa quis esmagá-lo entre as duas montanhas.

          Vendo isso, ANL fez o mudra do escorpião em direção aquelas montanhas. E prosseguiu.
           Na realidade a deusa tenma era incapaz de mover as montanhas.
          Mas no final de O-Yuk ela conseguiu desmoronar algumas rochas pesadas e provocou uma avalanche com que pretendia soterrá-lo.
          Então ANL, com o gesto do escorpião apontado para as rochas que caíam, e continuou o seu caminho. Todas as rochas vieram abaixo destruindo os lugares e bloqueando o caminho.
          O mudra do escorpião, entretanto, estragou as residências das deusas tenma, os lugares onde elas viviam, nas montanhas.
          Por causa disso, doze deusas tenma e mais doze deusas kyongma, e doze deusas yama com sua corte apareceram diante de ANL e se prosternaram.
          — Nós prometendo não mais prejudicar, disseram as deusas, em coro.
          E todas se transformaram em guardiãs do Dharma.

          Quando ANL atravessava o vale de Chephu Shampo, uma terrível deidade chamada Yarlha Shampo apareceu, manifestando-se como um animal gigantesco, da altura de uma montanha.
           Era um yak, de cujo nariz saía uma estranha fumaça irada, e a sua respiração tonitruante era terrível de ouvir.
          Aquele animal gigantesco emitia relâmpagos como uma tempestade e ocupava uma grande área do céu.

          Mas ANL domou o yak, tomando-o pelo nariz com o gesto do gancho, laçando seu imenso corpo com o gesto do laço, derrubando-o ao chão, amarrando-o pelas pernas com o gesto da corrente. E o golpeou com o gesto do sino.

          Então o que aconteceu foi o seguinte: O imenso Yarlha Shampo se transformou num pequenino menino, vestido de seda branca, que logo se prosternou para ANL, submisso, devoto.

 

          Mas quando ANL passou pelo planalto de Lhaitsa, o poderoso Thanlha apareceu diante dele na forma de um grande yak.

          O yak tentou engolir ANL, que fez contra ele o gesto do escorpião. O yak se transformou em um pequeno menino com uma turquesa. E desapareceu.

          Assim ANL continuou o seu caminho até ao meio-dia, quando o menino reapareceu diante dele, trazendo-lhe várias iguarias, que ofereceu a ele e se foi.

          ANL aceitou e ali mesmo, sentado sobre a elevação de uma pedra, almoçou.

          Mas ao longe, na direção do Norte, as montanhas apareciam ameaçadoramente escuras.

          Sim, ele sabia que encontraria novos obstáculos no caminho. Mas calmamente almoçou, deitou-se na relva e dormiu por uns instantes, durante o qual sonhou com seu guru Ananda, que lhe apareceu sorrindo, aspergindo-lhe umas gotas de água perfumada sobre sua cabeça e depois desapareceu.

          Quando acordou, algumas gotas de água da chuva estavam sobre seu rosto.

          Reanimado, ANL voltou a andar.

          Uma chuva fina começou a cair sobre toda a extensão do vale Lhaitsa, colocando brilhos adamantinos em todas as folhas de ervas.

          ANL, abrigado sob sua capa, avançava na direção Norte.


* * *


           A seguir vem uma passagem não se encontra na escrituras da época, mas vem da tradição oral. Foi-me relatada por um lama, num dia em que estávamos perto da grande estupa de Jarungkhasor.

          Estava ANL então atravessando o Vale da Morte, perto do lago do mesmo nome, quando a noite caiu e ele se abrigou numa reentrância da montanha.

          Mal tinha chegado lá, quando começava a meditar, uma bela jovenzinha apareceu, saída da ramagem. Estava quase nua, apesar do frio, e exalava o perfume de almíscar da montanha. Seus lábios eram grandes e carnudos. Seus seios, quase à mostra, estavam cheios de desejo, apontando o ar. O corpo seria de uma jovem de dezesseis anos, mas já completamente desenvolvido.

          Aquela menina tentou seduzi-lo.

          ANL não era um monge celibatário. Tinha, inclusive, casado, conforme se sabe. Mas ele não se interessou.

          Vendo o desinteresse do iogue, a menina então lhe disse que tinha de partir, mas antes comentou de como ele podia estar viajando assim, daquela maneira, sozinho, naquela terra de tantos perigos.

          — Você não tem medo de nada? – perguntou ela.

          Ele refletiu um momento e respondeu:

          — Sim, disse. Tenho medo de escorpiões.

          ANL, que sempre habitava grutas em montanhas, tinha tido sempre problemas com os escorpiões que encontrava nas pedras.

          Naquele momento a jovem se transformou num gigantesco escorpião, do tamanho de um cavalo.

          O animal, irritado e terrível, veio atacar ANL. Seus membros eram fortes como colunas de aço, suas duas garras armadas pareciam invencíveis. Na extremidade da calda ele exibia um ferrão para fora, gotejante de veneno mortal. Era um animal muito ágil, rápido, apesar do peso. Parecia invencível.

          Então naquele instante ANL se mostrou como Gurtak: Sua forma era gigantesca e terrível e tão alta quanto uma montanha. Rugia como um trovão. É mesmo difícil descrever: pois ele estava envolto em violentas labaredas de um fogo abrasador. Seu rosto tinha três olhos esbugalhados. Seus dentes eram de leão. A cabeça, adornada de crânios humanos, tinha os cabelos eriçados para cima. Um colar de cinqüenta cabeças de cadáveres estava pendurada no seu pescoço. Havia várias grandes cobras venenosas enroscadas por todo o seu corpo. Ele vestia uma saia feita de peles de tigres. Com a mão direita, ele empunhava um dorge e com a mão esquerda ele segurou aquele escorpião pelo meio que todo o corpo do animal se quebrou em pedaços.
           Tendo erguido o escorpião no ar, atirou-o nas águas geladas do Lago da Morte, e no qual lançou o seu dorge. Quando o dorge caiu na água, o lago se incendiou como se fosse um vulcão.
          Naquele momento o escorpião começou a gritar de horror.
          Então ANL voltou calmamente à sua forma normal e o retirou do lago com o gesto do gancho, voltando o terrível animal a aparecer como uma bonita jovem, que se prosternou e prometeu servi-lo. Mas ANL a deixou partir e, como se nada tivesse acontecido, voltou a meditar tranqüilamente.

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