Raquel Naveira

Escritora sul-mato-grossense, nasceu no dia 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Tem vários livros publicados: romance, poesia, crônicas e infantis.       

Coluna semanal de Raquel Naveira
Nº 46, 05/10/2015

CARTA A PAULO BONFIM (*)

Caro poeta Paulo Bomfim,

               Vim do sul de Mato Grosso, uma terra dotada de esplêndida beleza natural registrada na literatura por escritores como o Visconde de Taunay, Manoel de Barros e Hernâni Donato. Terra de garças, sucuris, camalotes, guavirais e onças-pintadas. Quando cheguei a São Paulo, trazida pela necessidade de trabalho e cultura, desejei ardentemente conhecer e amar esta cidade, sentir seu coração, o lugar palpitante onde escorrem sangue e águas primordiais. Foi assim que visitei a Academia Paulista, no Largo do Arouche, onde o encontrei: um príncipe, um cardeal das Letras, um homem simples e digno, que preza a convivência e a cordialidade entre seus pares.

               Ouvir sua voz, sempre emocionada e enternecida, é penetrar em bosques ancestrais, na história dos bandeirantes, que ergueram povoados e igrejas, que desceram rios em busca de novos rumos e fronteiras. É admirar quem utilizou os meios de comunicação, jornal, rádio e televisão, para testemunhar os fatos de seu tempo de forma justa e, simultaneamente, realizar uma volta proustiana ao passado paulista.

               Imagino a sua trajetória, habitando vetustos casarões, sentindo o cheiro dos cafezais, registrando a arqueologia de antigas memórias, andando pelas avenidas de uma metrópole complexa, assistindo a uma imigração tensa, a crises do capitalismo mundial, a guerras, a comícios de ideias, à luta bruta por dinheiro, ao contraste entre ricos e pobres. Nada abalou sua têmpera de poeta, que muito jovem borbulhou num caldeirão antropofágico. Foi retratado por Anita Malfatti. Teve seu livro Antônio Triste ilustrado por Tarsila do Amaral e elogiado por Guilherme de Almeida, que reconheceu em seus versos o mais profundamente significativo dos poetas de São Paulo.

               Ler seus poemas é sorver a mais alta filosofia, o atavismo de mares, barcos e albatrozes que vêm de longe numa viagem através de si mesmo, movida por nervos e emoções. Porque sua poesia é de sabedoria e autoconhecimento, peregrino do vento, que se alimenta do efêmero enquanto constrói a eternidade.

               Ouvi-lo e lê-lo é participar da herança paulistana, é andar com passos de espuma pelas ruas cheias de infância e de lembranças que se movem dentro de seu imaginário. É percorrer túneis que terminam em monumentos, onde se recostam anjos e mendigos.

               Desejei ardentemente conhecer e amar São Paulo. Realizo esse desejo quando tenho a honra e a alegria de abraçá-lo, poeta. Como o faço agora, de forma afetuosa e fraterna, no seu aniversário, nesta data de primavera,

Raquel Naveira

(*) N. A.: Carta escrita para o livro "Mil Cartas para o Poeta", organizado pela jornalista Di Bonetti, para o aniversário de 89 anos do poeta Paulo Bomfim, no dia 30 de setembro de 2015.

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