Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em cultura clássica.

Mito em contexto - Coluna 34
(Próxima: 20/10)


As matriarcais Erínias

Clitemnestra era cortejada por Agamêmnon quando ainda era casada com Tântalo II. Agamêmnon assassinou o marido e o filho recém-nascido dela, forçando-a a casar com ele. Antes de ir para a Guerra de Tróia, Agamêmnon atraiu Clitemnestra até Áulis sob falso pretexto de casar a filha Ifigênia. Mas a rainha teve que ver o sacrifício da filha, para que o marido conseguisse bons ventos para a viagem. Nos longos anos em que o marido esteve na guerra, sem esquecer do sofrimento e humilhação pelo qual já passara, Clitemnestra uniu-se, talvez por vingança, a Egisto.

Após dez anos em Tróia, Agamêmnon voltou para Micenas, trazendo como espólio de guerra a profetisa Cassandra, irmã do raptor de Helena. Clitemnestra recebeu o rei e o sacrificou dentro do palácio, com a ajuda do amante Egisto. Depois foi a vez de Cassandra.

Clitemnestra foi invadida por visões do eídolon do marido morto. Pediu que a filha Electra fosse ao túmulo de Agamêmnon fazer oferendas. Junto ao túmulo, os irmãos Orestes e Electra combinaram uma represália aos assassinos. Orestes se fingiu de estrangeiro e anunciou sua própria morte. Clitemnestra achou que estava livre da punição e mandou chamar Egisto. Quando entrou no palácio, o amante foi o primeiro a cair com os golpes de Orestes. Depois foi a vez dela.

Orestes foi envolvido pela Erínias, três mulheres aladas que perseguiam os criminosos, chamadas de Fúrias pelos romanos. As vingadoras dos crimes cometidos contra os consangüíneos representavam o eídolon da mãe assassinada. Orestes procurou o Oráculo de Delfos para ser purificado pelo deus Apolo. Era prática comum a purificação para autores de crimes involuntários. Não conseguindo libertar Orestes das Erínias, Apolo instituiu um julgamento a ser apreciado pelo tribunal ateniense.

Nas histórias que contam esse episódio, houve um longo debate sobre o matriarcado, representado por Clitemnestra e as Erínias, e o patriarcado, representado por Agamêmnon, Electra, Orestes, Atena e Apolo. Para as Erínias, Clitemnestra vingou o sangue da filha Ifigênia. Mas do ponto de vista do patriarcado, matar o rei era um crime abominável. Os anciãos queriam vingança pela morte do rei. Atena, ou Minerva, a que nasceu da cabeça de Zeus, sem a presença da mãe, teve a palavra final, o “Voto de Minerva” que libertou “exteriormente” Orestes.

Atormentado pelas Erínias internas, e procurando ainda se purificar, Orestes dirigiu-se a Táuris para procurar a estátua de Ártemis, onde estava sua irmã Ifigênia. Em Táuris, foi preso e condenado a ser sacrificado à deusa, mas Ifigênia, sacerdotisa do templo, reconheceu o irmão e fugiu com ele, levando a estátua.

A partir daí, o tribunal do Areópago teve competência para julgar crimes de sangue. As Erínias perderam sua função primordial de perseguidoras e se tornam benfazejas. Passaram a ser conhecidas como Eumênides. Junto com Atena e Apolo, avaliavam de forma racional os seres humanos e seus atos insensatos.

A substituição do princípio de vingança pela Justiça (e pelas leis) é uma importante marca do processo civilizatório desde a Grécia antiga, exemplarmente demonstrado na trilogia teatral conhecida como Orestéia , de Ésquilo: Agamêmnon, Coéforas e Eumênides.


Arquivos anteriores:
01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33

« Voltar