Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em Mitologia.

Mito em contexto - Coluna 37
(Próxima: 5/12)


Dilúvio universal

Entre os mitos criados pelos gregos, há os que falam sobre as cinco idades que a humanidade viveu: Ouro, Prata, Bronze, Heróis e Ferro. Na Idade do Ouro os homens viviam bem, os deuses eram amigos dos homens, não havia crime ou guerra. O tempo não importava. Na Idade de Prata os homens se encheram de orgulho e Zeus começou sua punição. A juventude eterna terminou e a morte chegou.

Os conquistadores helênicos e os reis guerreiros viveram na Idade do Bronze, quando a guerra era o ofício. A Idade dos Heróis teve muitas aventuras e guerras e logo acabou. A Grécia do século XII viveu na Idade do Ferro, quando já conheciam armas de ferro e os dóricos dominavam. Na Idade do Ferro nasceram Deucalião e Pirra, que moravam perto do Monte Parnaso, temiam aos deuses e eram trabalhadores. Mas nem todos os humanos eram assim, havia crimes e lutas pelo poder.

Zeus não estava satisfeito e mandou o dilúvio para punir a humanidade. Prometeu avisou a Deucalião e o ensinou a fazer uma arca de madeira para salvar sua esposa e levar mantimentos. Deucalião conseguiu chegar ao topo do Parnaso, único lugar seco após dias da chuva que limpou e fecundou novamente a terra.

Os sobreviventes pediram aos deuses ajuda para repovoar o mundo. Receberam a resposta que deveriam “lançar às costas os ossos de sua Mãe”. Compreenderam que os ossos eram pedras e Mãe, a Terra. Jogaram pedras do chão para trás, que foram se transformando em homens – as jogadas por Deucalião, e em mulheres – as que Pirra lançava. Esse é mais um mito que revela a veneração dos antigos pela Terra, considerada a verdadeira mãe dos homens, que através dela podem sobreviver.

Deucalião e Pirra geraram vários filhos. De Heleno se originaram quatro nações helênicas: dórios, jônios, aqueus e eólios – que se dispersaram por montanhas e ilhas da Grécia. Mas esse mito não é propriamente grego. Muitos povos possuem histórias de destruição pelo dilúvio quando, após ele, a humanidade renasce purificada, como também foi contada na Bíblia cristã a história de Noé e sua Arca cheia de animais.

Os Maias falaram sobre um dilúvio que acabou com a raça humana na história do Popol Vuh. No mito sumério de Gilgamesh também há um dilúvio. E em todos esses mitos o dilúvio é um castigo divino às perversões do homem, por isso essas histórias também constam em muitos livros religiosos.

Estudiosos supõem que a idéia do dilúvio seja lembrança de alguma catástrofe. Geólogos já comprovaram um dilúvio ocorrido na região do Crescente Fértil. Mas essa versão científica ainda não comprovou um dilúvio universal, a ponto de os distantes Maias terem sido afetados. Os Maias teriam assimilado histórias das pessoas que chegaram na América ou o dilúvio foi mundial?

Fora a interpretação alegórica dos mitos em relação à natureza, é certo que as estações mudam, há períodos de enchentes e outros acontecimentos críticos na vida humana. Socialmente, o homem segue vivendo ciclos de “ascensão e queda”. Talvez não acreditemos mais nos castigos, tão envoltos estamos na arrogância. Quem sabe uma nova civilização não está sendo preparada após as destruições pelas quais passamos? Estamos em decadência moral, religiosa, econômica que caracteriza o fim de um estágio evolutivo. E o aquecimento global está aí para nos mostrar que catástrofes naturais não são elementos meramente míticos.


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