Coluna de Rogel Samuel
Rogel Samuel é Doutor em
Letras e Professor aposentado da Pós da UFRJ. poeta, romancista,
cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel
Nº 105 - 1ª quinzena abril
(próxima coluna: 25/04)
AS CORES DO PURGATÓRIO
Em dado momento da “Divina comédia”, Dante escreve assim:
Bailando, à destra roda, sobre a via,
vinham três damas. (Purg., XXIX, 121/2)
Lá atrás, ao chegarem no Paraíso Terrestre, Virgílio diz que não pode mais orientá-lo na caminhada e que mais além não pode acompanhá-lo. A partir dali, de então, Dante deveria conduzir-se pelo seu próprio juízo: “contempla o sol, que à tua frente luz, / observa a relva, as plantas, as umbelas, / que a terra, à própria força, aqui produz”.
Valho-me da tradução de Cristiano Martins que tanto amo, para mim a melhor tradução do texto em português (Villa Rica, Belo Horizonte, 7ª ed.).
Virgílio diz que ele deve prosseguir até encontrar Beatriz: “imponho-te o laurel da liberdade!”
Mas ainda estamos no Purgatório!
Porém Dante não fica não só. Uma dama, Matelda, lhe aparece e com ela ele avança pelas margens do rio Letes, em sentido contrário à corrente, quando vê um “fulgor” que ilumina o seio da floresta.
O brilho vem de sete candelabros acesos.
Como em todo o poema, as coisas são fantásticas, milagrosas.
Pois “sete árvores douradas, de repente, / pareceram-me erguer-se...” Não eram árvores, eram os candelabros.
Logo mais adiante, diz ele dessa maneira: “eis vi surgir quatro animais, coroados”, que se interpretam como os quatros evangelhos: São João (águia), Marcos (leão), Lucas (touro), Mateus (homem). Cada animal era dotado de seis asas...
No meio disso aparece um Grifo (simbolizando Cristo) puxando um carro (alegoria da Igreja). O Grifo tinha asas de ouro, brilhava como o sol.
O surpreendente cortejo começa assim.
Mais três damas aparecem.
Uma era vermelha. Brilhava tanto que “mal se percebia”. Outra era “de um verde vívido trajada / que lembrava a esmeralda fulgurando”.
E a terceira era branca, vivíssima.
As três damas simbolizam as três virtudes teologais: a caridade vermelha; a esperança verde; e a branca fé.
De repente aparecem mais quatro damas, bailando em festa à esquerda do carro, todas de cor púrpura (a da frente tinha três olhos sobre a testa).
Eram as quatro virtudes cardeais: a prudência (que tinha três olhos), a justiça, a temperança e a fortaleza.
Nesse cortejo seguiam-se dois velhos, lentamente.
Um devia ser um médico; o outro um soldado.
Vêm a seguir mais quatro personagens que aparecem, de difícil interpretação, que acompanham a seqüência. E além disso logo surge mais um quinto, que avança como se estivesse dormindo...
* * *
Quando o carro enfim chega em frente ao poeta narrador, acontece algo da maior significação e surpresa, da mais surpreendente:
estalou um trovão, e aquelas gentes,
como os que têm o passo interceptado,
estacaram, com as tochas refulgentes.
Por quê?
O que aconteceu tão de repente?
Por que a poderosa procissão parou assim, sob um trovão?
Que grandioso fato aconteceu ali, naquele caminho, capaz de fazer parar Cristo e a Igreja, as três virtudes, as quatro virtudes cardeais, a medicina, o exército e mais todos? Quem era assim tão maior e melhor, e mais puro do que tudo isso, que sob um trovão punha a parar o sublime cortejo da caridade, da esperança e da fé?
Quem foi aquela divina aparição que “firme estacou o séqüito veraz” e se colocou além de todos e sobre todos a ponto que o cortejo pára e todos se voltam para trás a fitar o carro puxado pelo grifo, que simbolizava a Igreja, e assim era pois a verdadeira representação da paz e da salvação?
Quem era?
Era Beatriz, a amada, que aparecia...
Numa verdadeira heresia, não é a Igreja, ou Cristo, quem vai guiar o Poeta para o Paraíso.
Quem vai conduzi-lo é Virgílio e Beatriz.
A poesia e o amor.
Arquivo de crônicas anteriores:
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48 , 49, 50, 50ext, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74 , 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104
"O AMANTE DAS AMAZONAS", 2ª EDIÇÃO, EDITORA ITATIAIA: este romance, baseado em fatos reais, históricos, conta a saga do ciclo da borracha, do apogeu e decadência do vasto império amazônico na maior floresta do mundo. Cerca de cem volumes da época foram lidos e mais de dez anos de trabalho necessários para escrever esta obra. CLIQUE AQUI PARA LER ONDE VOCÊ PODE ENCONTRAR O ROMANCE DE ROGEL SAMUEL.