Raquel Naveira
Escritora sul-mato-grossense, nasceu no dia 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Tem vários livros publicados: romance, poesia, crônicas e infantis.
Coluna semanal de Raquel Naveira
– Nº 51, 3/3/2016 –
SETE
Sete é um número mágico. Costumo colocá-lo em várias situações de minha vida: o andar do prédio onde moro, as senhas secretas, a ordem e disposição dos livros nas prateleiras. Conto os dias da semana, observando os planetas e as esferas. Desfolho sete pétalas de rosas vermelhas antes do pôr-do-sol. Chamo sete anjos para que me visitem de manhã, em forma de sete raios e renovem em mim a fé, a esperança, o amor, a prudência, a temperança, a justiça e a força. Aguardo o cumprimento da profecia apocalíptica do final dos tempos com uma revelação que virá em forma de sete estrelas, sete selos, sete trombetas, sete calamidades. Que momento de plenitude dramática será o Juízo para os que amam teatro como eu.
Foi assim, andando por sete vales, buscando conhecimento e porções do maravilhoso, que recebi o livro de poemas Sete, da editora Sete Letras, do poeta alagoano radicado na Bahia, José Inácio Vieira de Mello. Aprecio essa proposta de uma certa unidade através da escolha de uma temática central, no caso, o número sete. Sete capítulos, entre eles: “A virgem universal do reino do sétimo filho”, “Sete mitos”, “Sete perguntas para voar”. Há um verso que menciona Seth, o terceiro filho de Adão e Eva: “Eu sou Seth, terceiro filho de Adão/ E sete é dia de andar pela planície e respirar mundos,/ de calcular a energia das pirâmides.” Num dos versos, faz referência a Set, que foi um deus egípcio, semelhante ao Baal palestino, porco preto devorando a lua, força do Mal. Essa é a outra face do número sete, pois Satanás, besta de sete cabeças, se esforça em imitar Deus. Para o poeta de voz nordestina, de guerreiro viril, Jesus é o que “anda pelos pastos recebendo as sete cores do Sol, comunicando sacramentos e abençoando os bichos que pecam.” Há “sete cavalos tocando sete pianos alazões”; uma “santa virgem, mãe de sete gerações”. Vê a morte arremessando sete facas, sete alarmantes torres de Bael, sete senhores do mundo, sete palmos, sete chagas no corpo, sete espelhos, sete vidas, sete salmos, sete mares, enquanto enfrenta “grandes exércitos de centauros e narcisos.”
Quando pequena, ganhei de meu avô português uma boneca típica da região de Nazaré. Eu gostava de contar suas sete saias: uma branca, uma de renda, uma azul de chita, uma de seda, uma de flanela, outra de barra preta. Sobre todas elas, um avental branco e engomado. Imaginava então uma mulher sentada à beira da praia, olhando o mar, esperando inutilmente o seu companheiro voltar. Ela quase desmaiava de frio, contando e subindo cada uma de suas sete saias. Essa mulher ancestral vive até hoje dentro de mim. Cubro meu rosto banhado de lágrimas com o lenço de cambraia.
O que dá mesmo trabalho, a mim, pobre mulher sentada na praia, é perdoar setenta vezes sete. São tantas as ofensas, decepções, afrontas, que já perdi as contas desse número sem limite. No horizonte da espera, barcos de velas negras.
Quanto mistério. Seguro firme o meu castiçal de sete velas. Aparo os pavios, encharco-os de óleo, lustro os desenhos de folhas de amendoeira em metal dourado. E vou escrevendo, trabalhando textos com paciência, limando palavras, sofrendo crueldades que não posso registrar nessas páginas. Já me arrependi de tudo, por mim e por todos. Felizmente, conserva-se acesa a luz desse castiçal de sete velas sobre minha mesa. Que nunca seja retirado deste lugar. Preciso de luz.
Vou agora escrever uma carta a José Inácio: “– Caro poeta, seu livro me fez mergulhar no poder oculto do número sete.”.
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