COLUNA DE THATY  MARCONDES 
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR, onde exerce o cargo de Delegada na área Literária (Secretaria Municipal da Cultura).

2ª quinzena de setembro de 2008 - Coluna 116
(Próxima coluna: 3/10)

A COLECIONADORA

Colecionava lenços de papel descartável pros momentos de desamor. O resto ia mudando, conforme a época, os sentimentos, as necessidades urgentes ou emergentes. Nada da moda: apenas o indispensável para momentos extremos. Certa época pegou Rotavírus e colecionou rolos e mais rolos de papel higiênico durante meses. Depois resolveu começar um novo regime e colecionou chá verde de todos os tipos: em lata, seco, natural (até plantou uma muda, mas não vingou). À noite tinha visões ou visagens. Imaginava o escuro como uma massa densa, criando forma e perseguindo-a até a cama. Aí resolveu colecionar lâmpadas coloridas, para ver se os contornos do escuro se modificavam. Colecionou amores e lençóis, assim a antiga mania passou. Como conseqüência, colecionou despedidas e versos de saudades. Quando veio o desespero e a solidão, colecionou chocolates (que depois devorou). Colecionou livros que nunca leu, discos e CDs que nunca ouviu, religiões nas quais nunca acreditou, amizades que sempre abusaram. Nunca conseguiu colecionar abraços, por isso não os sabia distinguir ou deles sentir falta. Certa feita colecionou sorrisos, ensaiando-os em frente ao espelho, onde também testava sua coleção de batons. Colecionou sonhos e desmanchou-os com água e alguns sabonetes líquidos de sua mais nova coleção. Quando começou a colecionar bares, usou e abusou da coleção de perfumes e bijuterias. Então resolveu colecionar bebidas e afogar-se em copos de todos os tipos. Como conseqüência, colecionou psicólogos e clínicas; então quebrou todos os copos, não sem antes chorar todo seu líquido. Colecionou cigarros; tragou-os todos. Quebrou todos os cinzeiros quando o médico lhe deu uma coleção de atitudes se ainda quisesse viver. Então começou a colecionar nuvens e sonhos, contornos em desenhos, frases sem nexo, em bilhetes que escrevia a si mesma. E a coleção de lágrimas foi aumentando até que os lenços de papel acabassem e o choro secasse. Então, num ímpeto de saudade, jorrou baldes de água pelo chão da casa, até que se esgotasse a coleção de panos de chão. Enforcou-se com último pedaço da coleção de cordas coloridas. E assim, acabou seu estoque de solidão.


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