Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel

Nº 112 - 2 ª quinzena de julho
(próxima coluna: 10/08)

A SIGNIFICAÇÃO AUTÔNOMA

A significação autônoma “independe” da realidade. Mas sua a realidade está presente no mundo da significação como “matéria-prima” para a representação. A significação se transforma nesta representação. Transforma-se num campo de possibilidades disponíveis, possibilidades de libertação. Para um romance da década de 60 só pode haver esta estética revolucionária. Não há classe oprimida na década de 60, época do capitalismo avançado. Só há opressão. De todos. E como significação é forma, o caráter revolucionário da significação não está no que diz, mas no como diz aquilo que é dito.

O protesto “secreto” desta literatura esotérica reside no ingresso das forças erótico-destrutivas primárias, que destroem o universo normal da comunicação e do comportamento. A sua verdadeira natureza constitui uma rebelião subterrânea contra a ordem social. Revela o domínio de Eros e Thanatos, para além de todo controle. Invoca as necessidades, as satisfações que são essencialmente destrutivas.

Diadorim destruidor. De múltiplas mortes. Mata quem matou o pai: quem matou o criador; e como era criatura criada para um determinado fim destrutivo (para por exemplo matar Hermógenes), é um robô rebelado; o monstro matou o medico que o criara: o programa matou o programador; vazio negativo, o nada habitável revolta-se contra o pai do sistema controlador e manipulador, por isso mesmo mata quem matara antes; mata seu pai que o mata antes, destituindo-lhe da vida biológica dos instintos; Diadorim mata quem matara a mulher Diadorina; Diadorim se vinga; matando o Hermógenes, Diadorim mata seu próprio pai por uma estranha metonímia; não podendo exercer a agressividade de sua violência contra o objeto declarado, exerce-a sobre um objeto escamoteado e transferido: o Hermógenes; sua vingança é tríplice: vinga o pai, vinga a si mesmo e se vinga na sua própria morte (pois Diadorim se mata matando); a tragédia de Diadorim assiste a uma sucessão de mortes. A morte ai desvenda certas zonas interditas da natureza e da sociedade em que mesmo a morte e o diabo se incluem, aliados na recusa de se submeterem a lei e a ordem de repressão.

A significação abre a realidade, separando-se da racionalidade, visando a um fim que caracteriza o modo de produção material. Desafia a realidade. Desafia o monopólio da realidade em definir o que é “real”, e esse desafio é feito criando-se um mundo fictício, portanto alienado, e que, no entanto, acaba por ser mais real do que a própria realidade. A significação tem seu próprio mundo, ilumina-o a partir desta ficção. Além disso, a significação mergulha na dialética da afirmação e negação da realidade. Diz Marcuse que os personagens de Shakespeare e de Racine transcendem o absolutismo, os burgueses de Balzac e Stendhal transcendem a burguesia, os pobres de Brecht transcendem o mundo do proletariado. A injustiça não se dá como injustiça de uma determinada classe, mas da humanidade como tal. Diadorim representa o moderno do Édipo, primeiro representante daquela culpa inocente que se encontra na cultura ocidental. A culpa de Édipo é marca Diadorim, escamoteado nas veredas do sertão para alienar-se de um sistema tecnicamente totalitário, em que as máquinas operam como maquinismo de controle e como maquinismo de destino. A culpa revela os resíduos de uma natureza por conquistar. A natureza totalmente controlada privaria o controle de sua função controladora, de seu termo. O controle só se da em termos de resistência.

A qualidade e o valor estético-literário de Diadorim reside, pois, na individuação social que realiza. Diadorim transforma os conflitos de massa em conflito pessoal. O mundo ficcional e o mundo da realidade colidem, possuindo cada qual sua própria verdade, sua própria realidade valida mesmo quando negada.

Diadorim luta contra a privatização da tecnologia da alma, aquela introjeção da dominação totalitária que os transsexuais devem sentir, contra o condicionamento sistemático da sociedade de Estado Cientifico, contra a definição da vida como programa e trabalho.

O capitalismo avançado constitui uma sociedade de classes como um universo administrado por uma classe monopolista corrupta e poderosamente armada, escreveu Marcuse.

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