Na rua dorme um menino
sem lençol de afeto.
Na rua sonha um menino
sonhos sem imagens.
Na rua seca um menino
sem sequer as miragens de um deserto.
O menino dorme,
abraçado à calçada,
aconchegado ao cimento.
Que faz todo mundo neste momento exato?
Dormimos todos um sono profundo.
Um punhado de cabelos no seu vento
e coxas rodadas. Cigarros mal pisados murcham tocos.
Passam recortes de pessoas fortes, passam coortes
de soldados rasos cabeça de papel.
Há risadas quentes nos seus dentes rentes
que prendem a língua gulosa num quartel.
Um punhado de vento nas suas folhas de cabelos
revoltos. Em revoo passam pássaros sem penas e dores.
Os ternos se abraçam. Os ternos passam
a passos largos para o escritório.
O mundo se enche nesta tarde.
As bochechas generosas de Deus inflando a bola enorme.
O céu estica fino e o sopro é morno.
A sombra cochila debaixo do banco da praça.
Em cima o pobre dorme de graça.
Um punhado de vida neste mundo de punhos amarrados.