Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel

Nº 115 - 1ª quinzena de setembro
(próxima coluna: 25/09)


JERUSALÉM IMAGINÁRIA: A CIDADE QUE DESCE DO CÉU

              Há um lugar em que os místicos e os poetas se encontram, nas suas imaginações alucinantes, nas suas descrições imaginárias, nos seus estados de êxtase.

              Foi assim quando o Papa Bento 16 citou em Aparecida: “A segunda leitura nos apresentou a grandiosa visão da Jerusalém celeste”... Foi uma citação surpreendente.

              Ora, na verdade, nenhuma imagem do Apocalipse me pareceu tão contrastante para os nossos dias.

              A metáfora da cidade “é uma imagem de esplêndida beleza, acrescentou o Papa, em que nada é simplesmente decorativo, mas que tudo contribui para a perfeita harmonia da cidade santa”.

              Mais surpreendedor é o fato de se reportar a Jerusalém, aquela cidade sagrada, mas hoje no meio do cenário da mais longa guerra sem trégua.

              Os místicos deliram, os poetas também, em suas expressões visionárias: “a Jerusalém celeste es ícone da Igreja inteira”, acrescentou. “Desce do céu, diz ele, trazendo a glória de Deus”.

              E que glória é aquela, daquela Jerusalém liberta da guerra, liberada do ódio, emancipada dos conflitos militares?

               – “A glória de Deus é o amor”.

              A experiência amorosa vem desde o começo do mundo e a cada instante se renova. É disso que necessitamos, de “recomeçar o mundo”, com sua pureza inicial, que perdemos. Com a ingenuidade inicial, quando havia a presença de uma atitude mental de amante, mas calma e pacífica, quando nossa vida e nós mesmos começamos a encher-nos de gozo amoroso, de uma mente gozosa.

              “Bajaba del cielo, enviada por Dios trayendo la gloria de Dios” (Ap 21,10).

              A “Santa Jerusalém, que descia do céu (do espaço)…”

              Depois de dizer que a glória de Deus é amor, o Papa falou de uma cidade, e que aquela cidade de Jerusalém gloriosa é iluminada no centro e na periferia pela presença de Deus, de Deus-caridade. Ou seja, pela luz divina.

              É muito interessante essa nova imagem, a imagem da luz.

              Aquela cidade “no necesita templo alguno ni ninguna fuente externa de luz, porque la presencia de Dios y del Cordero es inmanente y la ilumina desde dentro”.

              Imaginária e iluminada por sua própria luz interna é aquela Jerusalém que desce do céu pela e para a glória de Deus, e ela não necessita de nenhum templo nem nenhuma fonte de luz, porque nela mesma se encontra a luz imanente que a ilumina de dentro.

              A imagem é espacial. É espaço. A felicidade da glória se move no espaço da luz de sua liberdade. De um espaço mental. A cidade inteira desce de cima, do céu, como com os pássaros. Desce e nos veste de sua luz. Ela vem voando na amplidão, abrindo o espaço da sua forma, abrindo o seu coração, conhecendo o vasto universo da sua luz interior. Veste-se de sonhos. Dos nossos sonhos. Não ascendemos ao céu, mas ao contrário o céu nos desce de cima. É então que fazemos um pacto com os nossos sonhos: Eles são a força inesgotável que nos levam ao amor luminoso, onde se encontra a liberdade virginal, o horizonte mais vasto.

              O discurso do Papa recorre à poesia.

              Cito Ernst Bloch: “Quando um dia acaba, diz Bloch, espero a noite. Não sonhamos apenas de noite. Sonhamos também de dia, embora não se investigue com igual energia o sonho diurno. Chega-se mesmo a reduzi-lo a um simples prelúdio do sonho noturno. Entre ambos há distinções consideráveis. No sonho diurno o eu não desaparece. Mantém-se até bem vivo e sem exercer nenhuma censura. A ponto de os desejos tanto mais funcionarem. Serem mais visíveis, do que no sonho noturno. Apresentarem-se sem máscara nem vergonha. Livres de inibições. Corajosamente. De peito aberto. As ruas vivem cheias de gente com sonhos diurnos. Os mostruários das lojas tocam seus acordes. Um sapato elegante. Um vestido “toillette”. A nova máquina de lavar. Uma cadeira de balanço. E tudo o mais que se mostra. Em primeiro lugar, a casa sonhada a que tudo isso vai pertencer. Todo um mundo de vento em popa, multiplicando os castelos no ar." (http://br.geocities.com/rogelsamuel/bloch.html)

              Por isso a predica de Bento 16 trouxe à imaginação a felicidade máxima, luminosa, silenciosa para baixo, para nós, para o nosso nível.

              Além da imaginação ordinária. Quando tudo cessa, quando aparecem os cânticos da luz e do silêncio.

              "O silêncio também é uma sentença", escreveu Valéry.

              O Apocalipse citado diz: “Um anjo me levou em espírito a uma montanha grande e alta. Mostrou-me a cidade santa, Jerusalém, descendo do céu, de junto de Deus, brilhando com a glória de Deus. Seu brilho era como o de uma pedra preciosíssima, como o brilho de jaspe cristalino.
              “Estava cercada por uma muralha maciça e alta, com doze portas. Sobre as portas estavam doze anjos, e nas portas estavam escritos os nomes das doze tribos de Israel.
              Havia três portas do lado do oriente, três portas do lado norte, três portas do lado sul e três portas do lado do ocidente.
              A muralha da cidade tinha doze alicerces, e sobre eles estavam escritos os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro.
              Não vi templo na cidade, pois o seu Templo é o próprio Senhor, o Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro.
              “A cidade não precisa de sol nem de lua que a iluminem, pois a glória de Deus é a sua luz, e a sua lâmpada é o Cordeiro.”

              Bento 16 comenta que esta imagem é um ícone, expressa a beleza por que suspiramos:

              “Verla con los ojos de la fe, contemplarla y desearla, no debe ser motivo de evasión de la realidad histórica en que vive la Iglesia compartiendo las alegrías y las esperanzas, los dolores y las angustias de la humanidad contemporánea, especialmente de los más pobres y de los que sufren. Si la belleza de la Jerusalén celeste es la gloria de Dios, o sea, su amor, es precisamente y solamente en la caridad cómo podemos acercarnos a ella y, en cierto modo, habitar en ella”.

              “Por eso, todo cristiano está llamado a ser piedra viva de esta maravillosa “morada de Dios con los hombres”. ¡Qué magnífica vocación!“

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