Mito em contexto - Coluna 42
(Próxima: 20/3)
Orfeu, Mestre do Orfismo
O mítico Orfeu era filho do rei Eagro com Calíope, uma das nove musas. Sempre vinculado à música e à poesia, Orfeu aprendeu sua arte com Apolo, deus da música. Participou da expedição dos Argonautas, acalmou as ondas com música e salvou o navio, anulando o efeito do canto das Sereias. Ao voltar dessa aventura, casou com a ninfa Eurídice. Aristeu tentou violá-la e, ao fugir, ela pisou em uma serpente e morreu após a picada.
O inconformado Orfeu desceu ao reino de Hades para pedir Eurídice de volta. Encantou o mundo ctônio, desde o barqueiro Caronte até os deuses que lá moravam. Os que sofriam castigos tiveram descanso temporário: Sísifo deixou de rolar a pedra, Tântalo esqueceu a sede e a fome, as Danaides pararam de encher seus tonéis sem fundo.
Perséfone e Hades concordaram em devolver Eurídice com a condição de que ela seguisse depois de Orfeu e ele não poderia olhar para trás. Orfeu aceitou e caminhou bastante, mas teve dúvidas e olhou para trás. Eurídice estava lá, mas sumiu na sua frente para sempre. Inconsolável, Orfeu repeliu todas as mulheres e instituiu mistérios voltados para os homens.
Em uma das lendas de sua morte, as Mênades (mulheres em delírio dionisíaco) o fizeram em pedaços. Em outra variante, as mulheres trácias, inspiradas por uma paixão violenta, culpa de Afrodite, esquartejaram Orfeu e jogaram sua cabeça no rio Hebro. Quando a cabeça rolou pelo rio, os lábios de Orfeu chamaram por Eurídice e seu eco se repetiu nas duas margens.
Esse crime fez com que os deuses enviassem a peste para o país. O flagelo só acabaria quando encontrassem a cabeça de Orfeu e fizessem honras fúnebres. Em muitas culturas o crânio tem importância nos cultos religiosos, pois é considerado o lugar onde se encontra a energia vital. A cabeça de Orfeu foi encontrada no rio Meles, na Jônia, e lá mesmo foi o local do seu templo, cuja entrada era proibida às mulheres. Seu crânio tornou-se um poderoso oráculo.
Orfeu é uma figura lendária, mas o Orfismo é histórico. Como movimento religioso, o Orfismo sugere que Orfeu contemplou o além e se tornou sábio nos mistérios com os quais orientou os seguidores sobre reencarnação e origem divina da alma. Os órficos criam na imortalidade da alma e procuravam se purificar nessa vida com o objetivo de se libertar do ciclo da existência. No século VI a.C., o Orfismo tentou explicar o mundo e os destinos do homem. Introduziu novas interpretações para a existência humana. O Orfismo contribuiu para a religiosidade grega com elementos inovadores de cosmogonia, antropogonia e escatologia.
O Orfismo rompeu com um princípio básico da religião estatal, a maldição familiar, na qual cada membro era herdeiro das hamartíai, as faltas cometidas pelos antepassados, como Édipo, que expiou as faltas do pai Laio, que também expiou as faltas do pai... Os órficos achavam que a culpa é de responsabilidade do indivíduo.
Explicava também a dupla natureza do homem, composta de Bem e Mal, a partir do crime dos titãs contra Zagreu, o primeiro Dioniso. Os titãs fizeram Zagreu em pedaços e o devoraram. Zeus fulminou os titãs e das cinzas nasceu o Homem. Esse mito explicava por que carregamos um elemento do mal e um elemento divino. Para os órficos, o elemento divino está em todos os homens e os homens descendem dos deuses, que participam de algum modo da natureza humana.
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