"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia
e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/6
(próxima coluna: 23/6)

O Reencontro

Certos reencontros são salvadores. Sobretudo os literários. Há muito tempo minha pele não tocava um poema de Cecília Meireles. Essa semana me aconcheguei em “Doze Noturnos da Holanda”, um livro composto com apenas 12 poemas, que diferem um pouco do universo formal da poeta, mas que ainda assim revelam a delicadeza contundente de Cecília ao descrever a noite em Amsterdã, sempre com o olhar alheio de quem não se imiscuiu à cidade, sempre com aquele distanciamento solitário dos não envolvidos.

“O rumor do mundo vai perdendo a força / e os rostos e as falas são falsos e avulsos. / O tempo versátil foge por esquinas / de vidro, de seda, de abraços difusos”. Por vezes também me sinto um estrangeiro, pouco apto ao convívio, aos arroubos da amizade, às solicitações diárias de atenção. Em nada sincero diante dos bons-dias rotineiros que educação exige. Cravado num isolamento de quem não conhece as ruas, as calçadas, as falas da cidade, sou um perseguidor deste “tempo versátil”, a toda hora fugitivo, alheio aos meus choros de infante desatento. É como se a vida fosse aquele pai que esquece as pernas curtas do filho e caminha rápido demais, deixando-o no desespero de nunca alcançá-lo. Reler Cecília cresceu-me. Pôs meu corpo à altura da vida e voltei a caminhar ao seu lado, de igual para igual, não mais filho e sim irmão gêmeo. Ainda que eu seja em boa parte do tempo um exilado interno, “um pálido afogado sem palavras nem datas,/ sem crime nem suicídio, um lírico afogado” comecei entender a linguagem da vida, suas elipses, seus barroquismos. Percebi melhor o ritmo de bruma que a vida tem. Depois de reler “Doze Noturnos da Holanda”, assusta-me menos as incompreensões que tenho de mim ou dos outros: “homem, objeto, fato, sonho / tudo é o mesmo, em substância de areia.”

Mantive Cecília muito tempo afastada da minha memória poética. Foi um erro. Ela ainda continua me seqüestrando para seu universo lírico intumescido de sonho e melancolia. Seqüestro às avessas: retira-me de onde estou quase sempre mínimo e leva-me para um esconderijo onde posso estar mais amplo, mais preparado para os enfrentamentos. Foi assim há muito tempo, continua igual. Cecília repatria-me. Recoloca-me em contato com a “rarefeita anatomia da paisagem / onde cada elemento se faz translúcido / frágil e rijo como a asa dos insetos e a flexão do pensamento”


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