Raquel Naveira

Escritora sul-mato-grossense, nasceu no dia 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Tem vários livros publicados: romance, poesia, crônicas e infantis.    

Coluna de Raquel Naveira
Nº 61

ESFINGE

                       Fascinante a figura da Esfinge. Na arquitetura egípcia, ela é a Esfinge perto da aldeia de Gizé, gigantesca, agachada na areia do deserto, corpo de leão e rosto humano. Ela representa tudo que é estranho e insondável a respeito dessa antiga civilização. Tumba imponente, sepulcro de pedra, santuário maciço, ela nos faz refletir sobre um povo que tinha a eternidade como princípio fundamental, que acreditava estar destinado a uma vida de milhões e milhões de anos. Pressentiam que falar o nome de um morto é fazê-lo ressuscitar na memória e na   consciência. Aliás, era Quéfren, o nome do faraó quando a estátua foi esculpida.
                       Imagino os construtores dessa Esfinge, carregando rolos, rampas, trenós, alavancas, arrastando blocos e toneladas de granito. Por dentro, escavavam túneis, passagens secretas pelas ancas, galerias, becos sem saída, poços profundos. Ali guardariam relicários, múmias, vasos de alabastro, cântaros de mel, tesouros de pedras preciosas. No olhar desse animal divino conseguiram imprimir um enigma como se ela mirasse as estrelas e os planetas, como se velasse sobre tudo o que foi e o que será. Há serenidade de uma certeza nessa leoa sólida.
                       Na mitologia grega, a palavra esfinge, que significa “estrangular”, evoca a esfinge que questionou o herói Édipo. Era um monstro de destruição e má sorte, leão alado com cabeça de mulher, cauda de serpente e asas de águia. Na peça teatral Édipo Rei, de Sófocles, ela sobrevoava a cidade de Tebas propondo aos viajantes a charada mais famosa da história: “Quem é a criatura que pela manhã tem quatro pés, ao meio dia dois e à tarde, três?” Édipo resolveu o quebra-cabeça: é o homem, que engatinha quando bebê, anda com dois pés na idade adulta e necessita de um arrimo, de uma bengala, quando ancião. Furiosa ao ouvir a resposta, ela se atira do alto de um precipício. Édipo estava ali, no limite do abismo, no limiar de uma estrada sagrada, diante de uma porta trancada e sem chave, na beira da angústia entre decifrar ou ser devorado por uma mente pervertida. Édipo vence a praga, as consequências funestas da opressão, da dominação tirana, através de seu intelecto, de sua sagacidade. Coloca a esfinge no seu lugar: o inelutável.
                       Para Victor Hugo a mulher é a esfinge do homem. Quem pode desvendar o coração de uma mulher? Ainda mais quando ela guarda um segredo, quando ela habita em pleno mistério? Florbela Espanca, poetisa de voz tão feminina, escreveu que ficara à espera do amado, cismando, esfinge olhando na planície enorme. Já Fernando Pessoa afirmou que nos tornamos esfinges, ainda que falsas, até chegarmos ao ponto de não sabermos quem somos. Petrificados, talvez. Somos um enigma para os outros e para nós mesmos. Poetas, então, escrevem coisas intensas, dilemas que devoram sua carne e seu espírito.
                        Numa Páscoa, logo depois da morte dos primogênitos egípcios e do sangue do cordeiro derramado nos umbrais, Deu libertou os hebreus, que saíram das grutas, brotaram dos esconderijos, saltaram como gafanhotos pelas margens do Nilo. Esfinges gregas fizeram sombras no deserto com suas asas, enquanto a grande Esfinge egípcia, guardiã das entradas e saídas, contemplava o ponto distante para onde seguia o formigueiro humano.

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