Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel

Nº 119 - 1ª quinzena de novembro
(próxima coluna: 25/11)


CONTROLE E REPRESSÃO

          A repressão e o controle se encontram no domínio da noção de Direito e de Justiça (Walter Benjamin). Representam um esforço institucionalizado no que concerne à ordem e aos meios utilizados para que seja conseguido um determinado fim. Assim, a violência não está no fim que se quer atingido, mas nos meios utilizados para consegui-lo.
           A ação volitiva é aquela energia que pode ser orientada para o trabalho, para a produção de bens, ou para os serviços sociais nas sociedades de capitalismo monopolista.
          A repressão e o controle são diferentes da ação volitiva, mas a sistematizam, isto é, a “racionalização” só passa a ser problema para as individuações quando se tornam violentas.
          A ação volitiva tem a ver com a aprendizagem, os sistemas educacionais e a educação, o desenvolvimento urbano, os meios de progresso e crescimento.
          A repressão e o controle contêm, em sua natureza, o germe da “racionalização”, ou seja, a necessidade institucionalizada de regulamentação a que todos devem harmonizar os limites de cada ação volitiva, com sistemática planificação.
          Dessa forma, contida, a ação volitiva é trabalho construtivo, produtivo. É mesmo o princípio civilizador. E como volitiva, deseja. Controlada, promove a ciência e técnica. Quer-se crescimento com estabilidade. A repressão e o controle quer pelo menos, a estruturação dinâmica da crise permanente, mantendo as forças revolucionárias sob seu controle, sob sua orientação.
          Mas tanto a ação volitiva quanto a repressão e controle podem engendrar: l°) a violência e o condicionamento; 2°) a consciência política e/ou a interação comunicativa.
          É mais facilmente capaz de engendrar a violência e o condicionamento, como é difícil de conseguir a maturidade da consciência política (o estágio elevado de comportamento de homens livres, patamar que uma vez conseguido é necessário uma conquista quase diária para mantê-lo) ou a consciência comunicativa (o estágio elevado do solidário e da inteligência social).
          Por isso trataremos aqui em primeiro lugar de como a ação volitiva (individuante) e a repressão e controle (social) engendram a violência, e o que é isso que chamamos de violência.
          Para tanto, leiamos o famoso ensaio de Walter Benjamin, “Para uma crítica da violência”.
          O que entendemos por consciência política nasce quando a violência é evitada.
          Diz Benjamin que, para admitirmos uma crítica da violência, temos de ver sua relação com o Direito e a justiça, porque isto é um fato moral.
          A violência não se encontra nos fins, mas nos meios. A violência é um meio, um meio imposto, mesmo que para se conseguir um fim justificável, necessário.
          À primeira vista, parece que a crítica da violência se faz mais necessária em um sistema de fins justificados, mas não é assim. Pois os meios violentos sempre provocam fins violentos, pois os meios são os fins.
          Já Spinoza (citado por Benjamin) dizia que a violência individual fora substituída em favor do Estado. É uma teoria do Estado, fundada no Direito Natural. Transfere-se ao Estado a responsabilidade de exercer a violência.
          Esta tese do Direito Natural que define a violência como um dom se opõe à tese do Direito Positivo, que a entende como produto direto do devir histórico. O Direito Natural julga cada direito existente pela crítica de seus fins, enquanto o Direito Positivo julga cada direito existente pela crítica de seus meios. Neste caso, o Direito Positivo é o critério dos fins perseguidos. A Justiça julga os fins de harmonização social, e o Direito trata dos meios de conseguir isto.
          Diz Benjamin que o direito natural se esforça para “justificar” os meios para a justiça dos fins; o direito positivo se esforça para “garantir” a justiça dos fins para legitimar os meios.
          No que se refere ao direito de individuação, a tendência característica é impedi-la de atingir seus fins naturais toda vez que esses fins possam ser atingidos de melhor maneira pela violência individual, ou seja, se usando a violência os fins podem ser mais rapidamente atingidos. Por exemplo, para conseguir dinheiro por trabalho desvalorizado, ou por um assalto. A ordem jurídica, assim, constitui os fins do direito, onde a violência legítima na perseguição de fins naturais colide consigo mesma, a ordem jurídica.
          O Direito, dessa forma, monopoliza a violência e interdita a individuação, não só para proteger seus fins legais, como também para proteger o próprio Direito. A violência, quando se acha nas mãos do Direito, qualquer que ele seja, não constitui uma ameaça para si mesmo, para o Direito, pelos fins a que possa visar. A violência só se constitui uma ameaça se existe fora do Direito.
          Dessa forma, o Estado é o único elemento social que possui o legítimo direito de utilizar a violência. O Estado cria esta violência simplesmente como fundadora do direito de assegurar-se como existente, como força organizadora, e mesmo reconhece nele a origem fundadora do Direito quando forças estranhas o podem forçar a conceder o direito de guerra ou direito de greve.
          O uso forçado e universal da violência como meio de serviço de determinado fim do Estado traduz-se de imediato no militarismo: A submissão do homem ao serviço militar, diz Benjamin, é um fim legal, legitimado pelo Estado.
          A primeira função da violência é fundadora do Direito; a segunda função da violência é conservadora do Direito. O serviço militar, diz Benjamin, é um caso de aplicação da violência para fins de conservação do Direito.
          A violência conservadora do Direito é uma violência que ameaça, com o fim de impedir sua transgressão. Este é o aspecto ameaçador que oferece a figura do Estado moderno.
          O conceito de consciência política (individuante) não significa somente a inter-relação entre pessoas, mas o relacionamento harmonioso da individuação com a totalidade, mais de colaboração do que de adequação.
          A melhor técnica do acordo seria, pois, o diálogo propriamente dito, ainda que houvesse riscos: O discurso de um, mais significativo e inteligente, poderia envolver o discurso do outro, mais desarmado teoricamente ou menos perspicaz.
          Seja como for, só com meios legítimos se pode chegar aos fins justificáveis, pois o que justifica o fim é o meio.
          O conceito de consciência política nasceu da “proposta para discussão” da “consciência comunicativa” (Habermas e outros). Procura pelas instâncias de legitimação da linguagem, um projeto hermenêutico que produz um resultado político.
          A procura incessante da verdade humana, ao perceber o impasse a que fora conduzida pelas formas tradicionais de argumentação — reforçadas progressivamente no binarismo matemático — iniciou todo um trabalho teórico-prático, que passa pela intersubjetividade. Ela contracena com indivíduos concretos lingüisticamente mobilizados.
          Insiste alguns que a razão hermenêutica (que seria o apogeu de uma consciência política) “quer ser precisamente uma conquista da liberdade”, a conquista através da denúncia e meios de fiscalização e repressão, a serviço da “racionalização” do sistema do Estado.

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