Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em Mitologia.

Mito em contexto - Coluna 46
(Próxima: 20/05)

Oceano e Tétis: fecundidade aquática

Após a união de Urano e Gaia, na primeira fase do Cosmos, seguiu-se uma numerosa descendência com o surgimento dos Titãs, Titânidas, Hecatonquiros, Ciclopes, etc. Os Titãs representam as manifestações elementares em evolução. Uma dessas indomáveis forças era Oceano. Concebido inicialmente como um rio-serpente em torno da Terra, Oceano era a água personificada que rodeava o mundo, o rio cósmico original. Quando os conhecimentos geográficos se tornaram mais precisos, Oceano passou a designar o Oceano Atlântico.

A esposa de Oceano era a titânida Tétis (diferente da nereida Tétis, mãe de Aquiles). Tétis simbolizava o poder e da fecundidade feminina do mar, e fez de Oceano o pai de todos os rios, contados como mais de três mil na Teogonia do poeta Hesíodo. Era pai também das Oceânidas (ninfas dos mares), que personificavam riachos, fontes e nascentes. As Oceânidas se uniram a deuses e mortais e também foram responsáveis por uma descendência numerosa.

Os filhos de Oceano e Tétis eram semidivinizados e objetos de culto. A eles eram oferecidos sacrifícios, como touros e cavalos lançados em sua correnteza. Os mais prestigiados eram os Rios; tanto que os gregos representavam o Nilo como um deus que fertilizou o Egito. Os rios do Hades simbolizavam os tormentos dos condenados, como Aqueronte, rio das dores; Cocito, rio dos gemidos e lamentações; e Lete, rio do esquecimento.

Rios como Nilo e Escamandro geraram ninfas ao se unirem com outros elementos. O Rio Aquelôo teve com Melpômene as Sereias e de outros amores nasceram várias fontes, como a Castália em Delfos, utilizada na preparação da pitonisa do Oráculo de Apolo. Alguns rios ainda simbolizam o grande “rio cósmico”, como o Jordão, na Palestina; o Nilo, no Egito; e o Ganges, na Índia.

Os rios eram vistos como uma potência misteriosa. Provocavam veneração e também medo, como sabemos pelos conselhos que diziam para ninguém atravessar um rio sem determinados ritos. Hesíodo aconselhou: “não atravessem teus pés as magníficas correntes dos rios eternos; ante, com os olhos cravados em seu curso, faze uma prece e lava tuas mãos nas águas frescas e límpidas”. O rio e seu escoamento de água é a imagem da fertilidade e renovação, mas também de morte. A “descida” para o Oceano representa o reencontro das águas.

Os rios podem bem representar a existência humana em seu fluir, na sucessão de sentimentos e na multiplicidade de desvios. O filósofo Heráclito acreditava dessa continuidade quando dizia que “tudo está em mudança e nada permanece parado” e, comparando o que existe à corrente de um rio, o filósofo ainda dizia que “não podemos penetrar duas vezes no mesmo rio”. Se o rio corre, seu fluxo muda, não tocamos nas mesmas águas. E nós já não seremos os mesmos também.

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