COLUNA DE THATY  MARCONDES 
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR, onde exerce o cargo de Conselheira Municipal da Cultura.

1ª quinzena de agosto - Coluna 73
(Próxima coluna: 18/8)

Pequenos detalhes

Solteirice

Thaty Marcondes

Estava com saudades de mim mesma. Saudades da minha solidão, dos meus pensamentos coordenadamente distribuídos, das gavetas e papéis em bagunça organizada sem ninguém pra me criticar num ritual enfadonho, hábito arraigado em quem nunca conseguiu me entender ou conhecer de perto minha linha obtusa de raciocínio rápido, sem me deixar enganar pela pequenez de detalhes corriqueiros do cotidiano.

Estava com saudades do silêncio do telefone mudamente acomodado em sua base, carregando baterias, sem tocar, me fazendo companhia num silêncio cúmplice.

Saudades eu também estava de comer fora de hora, degustar berinjela com pão e maionese, jantar queijo quente com café com leite.

Hoje vou dormir tarde. Amanhã vou dormir até mais tarde. Sem pressa, sem sobressaltos, sem obrigações chatas pra cumprir logo cedo, como, por exemplo, vestir um sorrisinho falso pra desejar bom dia. Quero me espalhar no meio da cama, descobrir meus pés, abrir as cortinas, fazer silêncio. Silêncio de corpo em sono pesado; quero despertar languidamente, demorar pra abrir os olhos. Quero até roncar à vontade, não temer que você me toque de madrugada, me obrigando a ser fêmea quando quero estar menina.

Durante o dia, quero me fartar de ser mãe de meu filho único, sem dividir atenções, sem me preocupar com cardápios múltiplos e variados, esquecer o cheiro da fumaça de cigarros inoportunos, resmungos mal educados, manias da velhice alheia.

Quero ser livre, solta, suave, feliz; ao menos nesses poucos dias. Não quero invasões e não quero invadir espaços: apenas ocupar todos os meus, da forma que me agrade. Acabo de devorar uma caixa de chocolates. Não sei se é carência. Talvez seja saudade. Saudade de mim mesma. Redescubro-me aos poucos. Engordo. Nada que uma boa dieta com saladas não recupere. A paixão pela escrita, o amor por mim mesma, e essa carência some. Só tenho um receio: me acostumar a ser eu mesma; egoisticamente eu mesma, me permitindo a realização de todas as minhas vontades.

Acho que o amor escapou pela fresta das portas, pelos cantos mal vedados das janelas... Até mesmo pelos buracos das fechaduras.

Esquecemos as chaves dentro das malas. Você as encheu de roupas, escova de dente, toalha e sabonete. Levou tudo daqui.

As lembranças de um passado anterior a nós dois expulsaram o nosso equívoco morto.


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