Coluna de Rogel Samuel
Rogel Samuel é Doutor em
Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista,
cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel
Nº 124 - 2ª quinzena de janeiro 2008
(próxima coluna: 10/3)
O 1º capítulo deste importante romance mereceu matéria de página inteira no Jornal "Amazonas em Tempo", em 13/12/07.
Clique aqui para ler a reportagem na íntegra
"TEATRO AMAZONAS"
(Romance inédito)
4.
A INAUGURAÇÃO
No dia 31 de dezembro de 1896 se inaugurou o Teatro Amazonas, com “La Gioconda”, de Amilcare Ponchielli, sob a regência do maestro brasileiro Joaquim de Carvalho Franco, que foi diretor da Academia Amazonense de Belas Artes. Ele nasceu em Campinas, em 1858/59 e morreu em Manaus em 1927, onde se estabeleceu. Está enterrado no cemitério de São João Batista.
“La Gioconda” era uma novidade em 1896, e sua estréia fora em 1876 com grande sucesso. Foi a única das composições de Ponchielli (1834-1886) a ter sucesso e a manter-se no repertório dos teatros até hoje. Estreou no Teatro alla Scala de Milão, em 08 de abril de 1876 e Ponchielli revisou a obra pelo menos três vezes até o final da vida.
“La Gioconda” está na transição entre o romantismo e o realismo, reunindo elementos das duas escolas, no estilo da “grand-opera” francesa, carregada de melodrama, a ambientação exótica e um balé no meio do espetáculo – no caso a conhecida “Dança das Horas”, imortalizada por Walt Disney. A ópera revela grandiosidade, cenários luxuosos, efeitos de cena, como o incêndio do segundo ato, grandes número de coro, orquestração densa. Exige um elenco de 12 cantores, seis dos quais podem ser considerados principais, com pelo menos uma grande ária para cada um deles.
“La Gioconda” é precursora da escola realista da ópera italiana, com o vilão Barnaba, mais teatral e declamado do que cantado, e a violenta cena final, quando a protagonista comete suicídio num ato de extremo desespero.
O libreto é de Arrigo Boito, um dos artistas que fizeram a renovação do gênero. Boito não acreditou no sucesso da ópera, e preferiu assinar com um anagrama, Tobia Gorrio.
O soprano que interpreta Gioconda tem as partes mais difíceis do espetáculo, cheio de recursos emotivos, alternando sentimentos de ternura, amor, ódio e desespero. O soprano canta exaustivamente nos três primeiros atos, antes de enfrentar no fim o mais extremo esforço cênico e vocal, quando está no palácio em ruínas e prefere suicidar-se a ser morta.
É uma ópera cara e difícil.
A Gioconda era Líbia Drog, soprano dramática. Ela era uma italiana belíssima, famosa na Itália, na Espanha e em São Petesburgo. Ficou famosa porque no Metropólitan Opera House, em novembro de 1894, na ópera Guillermo Tell, esqueceu o texto da ária de Matilde –Selva opaca- pondo em perigo toda a função. Mas em Manaus teve uma de suas melhores atuações.
A multidão que assistia do lado de fora a entrada dos convidados à inauguração viu chegar o primeiro, Raul de Azevedo e sua esposa, Sara. O casal ficou a passear nos jardins do teatro antes de entrar. Raul aproveitou para fumar.
A seguir apareceram Afonso de Carvalho, a esposa e alguns amigos. Era um grupo animado. Entraram logo.
Logo veio Joaquim Cardoso Ramalho Junior, com o filho (a esposa adoentada não veio).
Quando apareceu Erico de Aguiar Picanço todas as pessoas que assistiam a entrada exclamaram um “oh!” de surpresa e admiração. Esmeralda Picanço portava as suas famosas esmeraldas: era um colar e brincos de esmeraldas e diamantes famosos na alta sociedade manauara, realçados pelo belo pescoço e o vestido de seda preta de sua dona. O vestido não tinha nenhum bordado nem enfeite.
E assim foram chegando os convidados, que a elite do Norte do Brasil.
Um dos últimos a chegar foi o Governado Fileto Pires Ferreira, com a esposa. E o último o ex governador Eduardo Gonçalves Ribeiro.
Eduardo Ribeiro como sempre vinha acompanhado por dois soldados. Entrou rapidamente, atravessou o hall sem cumprimentar as pessoas que encontrava no caminho, subiu as escadarias com velocidade e sumiu no camarote simples, ao lado daquele do governador. Os dois soldados ficaram de guarda na porta.
O Teatro ainda não estava ainda totalmente pronto, mas no “Salão Nobre”, em taças de cristal se servia o champanha La Grand Dame Veuve Clicquo e se conspirava. Conspirava-se contra o Governador Fileto Pires Ferreira, que já estava no camarote do Governo, e contra Eduardo Ribeiro, que se escondia na penumbra. Em sussurros no pé do ouvido algumas figuras diziam: “– Fileto vai viajar para Paris...”
– Agora que Fileto e o negro estão rompidos é hora de agir.
No início do espetáculo, o Governador Fileto Pires Ferreira falou. Inaugurou o Teatro. Seu discurso foi recebido friamente pela elite que já conspirava contra ele. E embora tivesse de relações rompidas com o ex-governador, anunciou:
– Temos a satisfação de ver entre nós o grande realizador da obra, o construtor deste imponente Teatro, o Governador Eduardo Ribeiro.
Neste momento irrompeu uma grande vaia, vinda de todos os lados. E no meio da “Dança das horas” ouviu-se alguém gritar:
– É preciso eliminar o negro!
(Risos).
Eduardo Ribeiro nunca mais voltou àquele teatro.
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